A perda de corais nos recifes brasileiros pode ter consequências maiores do que se imagina. Um estudo publicado em agosto na Global Change Biology sugere que a costa brasileira corre o risco de perder um quarto das espécies desses organismos. Como consequência, um efeito em cascata poderia eliminar metade das espécies de peixes dependentes desse tipo de ecossistema marinho no país.
A questão é que esses corais estão desaparecendo, de acordo com monitoramentos de longo prazo, e isso afeta outros animais. Usando simulação computacional, a pesquisa considerou oito espécies e analisou como mais de uma centena de peixes – e suas funções ecológicas – seriam afetados em três cenários diferentes. No primeiro, os pesquisadores simularam o que aconteceria em um ambiente de recife se fossem retirados, primeiramente, os corais que têm o maior número de associações com espécies de peixes – ou, no jargão da área, os de maior centralidade. No segundo, a equipe simulou a retirada de corais mais vulneráveis à morte por branqueamento e, no terceiro cenário, a equipe removeu as espécies aleatoriamente do recife.
Embora nas três possibilidades testadas o ambiente marinho fosse afetado em algum grau, o cenário em que a diversidade de peixes e as funções ecológicas do ecossistema sofreram mais foi no primeiro. Na simulação, a retirada de duas variedades de corais de grande centralidade afetou diretamente quatro em 10 espécies de peixes que têm relação direta com recifes. Uma em cada cinco espécies que interagem com esses peixes – e que, portanto, têm relação indireta com corais – também foi prejudicada. Daí deriva o efeito cascata. No total, mais da metade de todas as espécies de peixe estudadas na simulação foram afetadas.
Segundo o oceanógrafo Miguel Mies, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP), o estudo é robusto por ter um alto rigor estatístico. “E usa uma abordagem ecossistêmica, integrando diferentes organismos no recife para ver como o que acontece com uma espécie interfere nas outras”, diz o pesquisador, que não participou do estudo.
A pesquisa acende um alerta por tratar da perda de corais que são mais resistentes do que os de outras partes do mundo, onde as áreas marinhas têm águas cristalinas. Isso acontece, segundo Mies, porque a costa brasileira não é um ambiente favorável à formação de corais. “Existe uma grande quantidade de rios desaguando na plataforma continental, e rios trazem muitos sedimentos e turbidez”, explica. Essa turbidez diminui a incidência de luz solar no ambiente marinho, ingrediente essencial para o desenvolvimento de corais. “Similarmente, esses rios trazem muito nitrogênio, fósforo e outros nutrientes que servem como filtros para selecionar as espécies mais fortes.” Assim, só se fixaram na costa brasileira os corais mais resistentes. Por outro lado, a diversidade é relativamente baixa: “Se há centenas de espécies no Indo-Pacífico, aqui no Brasil temos cerca de 20”, avalia Mies. “Mas elas são especiais, mais tolerantes às mudanças climáticas.”
Perder essas espécies significa um impacto abaixo do nível do mar, mas também acima, diz o ecólogo marinho e coautor do estudo Guilherme Longo, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. A supressão de corais na costa brasileira resulta em um ambiente marinho menos saudável. “E impacta populações humanas do ponto de vista da nutrição, da pesca e do turismo, que tem um efeito socioeconômico importante”, observa.
Para monitorar a redução de corais na costa brasileira de forma mais eficaz, é preciso traçar uma linha de base para que seja possível dimensionar a perda, dizem os pesquisadores. Perder 10 espécies em um conjunto de 100 é bem diferente de perder 10 em um cenário com 20 espécies.
Esse esforço resultou na tese de doutorado da bióloga Carine Fogliarini, da UFSM. A pesquisa, publicada em agosto na Ocean & Coastal Management, reuniu dados históricos sobre corais na costa brasileira ao longo de 150 anos, baseando-se em materiais que iam de manuscritos de naturalistas do século XIX a dados de museus e publicações de décadas recentes.
Fogliarini notou que o número de registros de corais aumentou ao longo do período, especialmente depois da década de 1960. O desenvolvimento de tecnologias que permitiram um melhor detalhamento de ambientes marinhos, conta ela, teve papel decisivo. Até 1960, havia dados de corais em 13 localidades da costa brasileira, do Ceará a São Paulo, somando 20 espécies. Entre 1997 e 2019, ela encontrou mais oito lugares em que havia corais, totalizando 21.
Ao mesmo tempo que os registros aumentaram ao longo dos últimos 150 anos, Fogliarini observou o declínio de duas espécies-chave de corais no Banco dos Abrolhos, sul da Bahia: Millepora alcicornis e Mussismilia braziliensis. “Essas espécies são formadoras de recifes, e com o declínio delas, se perdem funções importantes, como o abrigo para peixes menores”, conta.
Segundo Longo, que também participou desse estudo, a análise é importante porque resgata a referência do que seria um ambiente saudável no passado. E tem valor fundamental para políticas de conservação. “Não dá para dizer se uma espécie está ameaçada de extinção nos parâmetros da União Internacional para a Conservação da Natureza [que elabora listas de animais classificados por estado de conservação e risco de extinção] se não temos dados históricos para comparar.”
“Combinando ambos os estudos com as evidências de outras pesquisas que vão juntando o quebra-cabeça”, diz Mies, “vemos que, em conjunto, eles preveem e explicam bem, em escala ecossistêmica, o que está acontecendo”.
A reportagem acima foi publicada com o título “Vão-se os corais, os peixes também” na edição impressa nº 345, de novembro de 2024.
Artigos científicos
LUZA, A. L. et al. Coping with collapse: Functional robustness of coral-reef fish network to simulated cascade extinction. Global Change Biology. v. 30, n. 9, e17513. set. 2024.
FOGLIARINI, C. O. et al. Revisiting 150 years of coral studies to assess changes in species records, distribution, and functional structure of corals in the Brazilian Province. Ocean & Coastal Management. v. 257, 107340. 1º nov. 2024.
Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.
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