A origem do cupuaçu foi descoberta, um fruto característico da Floresta Amazônica, recebe seu nome da combinação das palavras tupi “kupu”, que significa “que parece com cacau”, e “uasu”, que se traduz como “grande”. Enraizado na culinária brasileira e amplamente apreciado em todo o país, o cupuaçu era anteriormente considerado uma espécie nativa, existindo naturalmente em sua área de distribuição. No entanto, uma pesquisa conduzida pelo Instituto de Biociências (IB) da USP revelou que o cupuaçu é, na verdade, uma espécie domesticada, desenvolvida pelas populações indígenas do médio-alto Rio Negro há mais de 5 mil anos.
Espécies domesticadas são aquelas originadas por meio de seleção artificial realizada pela ação humana. Através de análises genômicas, os pesquisadores conseguiram rastrear as origens do cupuaçu, concluindo que ele é uma variante domesticada do cupuí, membro da família do cacau e nativo do bioma amazônico. Matheus Colli-Silva, doutor em botânica pelo IB, explica que houve uma mudança física do cupuí para o cupuaçu através de métodos de plantio. O progenitor do cupuaçu tinha uma polpa menos volumosa, e o próprio fruto era menor.
A descoberta indica que os povos indígenas da região reconheceram o potencial da polpa do cupuí, selecionaram os frutos maiores e promoveram cruzamentos entre eles. “Ao iniciar o retrocruzamento com atributos desejáveis, como o tamanho maior do fruto, ao longo das gerações, esses indivíduos foram desenvolvidos”, explica Colli-Silva. O retrocruzamento ocorre quando há cruzamento entre um descendente e qualquer um de seus progenitores, facilitando a transferência de genes, o que explica o aumento de tamanho dos frutos ao longo do tempo.
Os resultados dessa pesquisa foram publicados no artigo “Domestication of the Amazonian fruit tree cupuaçu may have stretched over the past 8000 years” na revista Communications Earth & Environment.
A domesticação de espécies é frequentemente associada a animais, sendo o exemplo mais notório o do cachorro, descendente dos lobos e submetido a esse processo há mais de 12 mil anos. No entanto, esse procedimento também é aplicado a vegetais, quer seja para o aprimoramento genético de monoculturas pela indústria agrícola, quer seja de maneira não planejada pelos seres humanos. Independentemente da abordagem, a seleção artificial de características a serem enfatizadas está presente.
As suspeitas sobre a origem do cupuaçu surgiram a partir de uma expedição conduzida pelo pesquisador na região amazônica, especificamente em áreas do Pará, Amazonas e Acre. “Inicialmente, não tínhamos considerado essa pergunta. No entanto, o simples fato de estarmos estudando a natureza nos levou a explorar o campo e perceber que o cupuaçu não estava presente em locais de mata fechada, mas sim sempre próximo às civilizações”, explica o pesquisador. Isso levou à coleta de amostras de cupuaçu e cupuí, que foram posteriormente levadas ao laboratório e analisadas por meio do sequenciamento de DNA.
Os resultados das análises genéticas das duas espécies foram então comparados para destacar suas semelhanças. Além disso, dados arqueológicos e antropológicos sobre a história dos povos indígenas na Amazônia foram incorporados à discussão, contribuindo para as conclusões da pesquisa. “Conseguimos demonstrar, com base nesses dados genômicos contrastados com os da arqueologia e antropologia, que esse processo provavelmente teve início entre 5 e 8 mil anos atrás, realizado por povos indígenas que habitavam a região do médio-alto Rio Negro.”
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A conexão entre as populações indígenas e o processo de origem do cupuaçu destaca a importância da relação desses povos com a biodiversidade da região e seu papel crucial no ecossistema amazônico. O pesquisador enfatiza que a Amazônia é um bioma que foi ocupado e modificado de maneira sustentável por povos indígenas, em contraste com as atuais pressões antrópicas e o desmatamento.
A domesticação do cupuaçu ocorreu no final do Holoceno, um período geológico caracterizado pela estabilização meteorológica após o último processo de glaciação da Terra. Evidências arqueológicas indicam que nesse período, os povos da Amazônia aprimoraram técnicas dentro da agrobiodiversidade, promovendo práticas de manejo de terra que não apenas eram produtivamente vantajosas, mas também contribuíam para a conservação da floresta. As comunidades indígenas praticavam uma agricultura diversificada, cultivando palmeiras, leguminosas e outras árvores frutíferas. Essa descoberta ressalta o cuidado milenar dos povos indígenas com a natureza e a profundidade de seus conhecimentos sobre a flora, demonstrando que conceitos que os cientistas aprenderam nos últimos 500 anos já eram dominados por essas comunidades há milênios.
O pesquisador destaca a natureza multidisciplinar do estudo e aponta para o próximo passo: aplicar o mesmo método de pesquisa a outras espécies brasileiras em diferentes biomas. Ele enfatiza a amplitude desse campo, que se conecta não apenas à biologia, mas também à história e à agronomia. Sublinha a importância de pesquisas que explorem a flora brasileira visando seu uso econômico de maneira sustentável.
Fonte: Jornal da USP
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