Do cafezinho ao etanol: como El Niño pode afetar Brasil em 2023

Agência da ONU vê 55% de chance de fenômeno voltar em junho, elevando as temperaturas globais. No Brasil, pode afetar produção de grãos, cana de açúcar e outros setores.

A Organização Meteorológica Mundial (OMM), agência especializada das Nações Unidas (ONU) para a meteorologia, alertou em 1º de março para um possível retorno este ano do fenômeno atmosférico El Niño.

Um evento climático que afete a moagem afeta tanto o açúcar como o etanol’, diz analista

Segundo a agência, há uma probabilidade de 15% de o El Niño voltar entre abril e junho. As chances sobem para 35% entre maio e julho, e são de 55% de junho a agosto.

O El Niño provoca um aquecimento fora do normal das águas do Oceano Pacífico na parte equatorial, elevando as temperaturas globais.

Nos últimos três anos, o mundo esteve sob influência do La Niña, que esfria as águas do Pacífico na mesma região e contribuiu para frear temporariamente o aumento das temperaturas no planeta, segundo o secretário-geral da OMM, Petteri Taalas – ainda que os últimos oito anos tenham sido alguns dos mais quentes já registrados.

A última vez em que o mundo enfrentou um forte El Niño foi entre 2015 e 2016.

Aquele foi o segundo El Niño mais poderoso desde 1950, atrás apenas do ocorrido em 1997 e 1998.

Sob influência do fenômeno e das mudanças climáticas, o ano de 2016 foi o mais quente já registrado na história, segundo a OMM.

No Brasil, o El Niño naquele biênio intensificou a seca no Nordeste e provocou estiagem prolongada no Norte, centro-norte de Minas e de Goiás e no Distrito Federal.

Além disso, houve fortes inundações no Sul, e impactos sobre o setor elétrico e a produção de alimentos. E agora? O que pode vir pela frente no Brasil com a volta do El Niño?

Entenda como o fenômeno pode influenciar do cafezinho ao etanol que abastece o carro.

Como El Niño afeta o clima no Brasil

O “Niño” que dá nome ao fenômeno é ninguém menos do que o menino Jesus (el niño Jesús, em espanhol). O evento climático recebeu esse nome por ser primeiro identificado por pescadores do Peru e Equador na época do Natal.

“O El Niño e a La Niña são duas fases opostas do mesmo fenômeno, que chamamos de El Niño Oscilação Sul [ou ENSO, na sigla em inglês]”, explica Vinícius Lucyrio, meteorologista da Climatempo.

“É um fenômeno que acopla condições oceânicas e atmosféricas. Ou seja: é o oceano influenciando diretamente na condições atmosféricas.”

O El Niño é a fase quente deste fenômeno, que traz águas de temperatura mais elevada para a faixa equatorial do Pacífico Sul, na costa norte do Peru e do Equador, se estendendo ao sul da linha imaginária até quase a Oceania.

Isso ocorre por um enfraquecimento dos ventos alísios, um sistema de ventos que sopram de leste para oeste na região equatorial, explica Lucyrio.

Já a La Niña é a fase fria do fenômeno, com temperaturas abaixo da média nas água do Pacífico Sul, sob efeito de ventos alísios fortalecidos que favorecem a ressurgência de águas profundas mais frias na costa do Peru e do Equador.

“É uma ótima fase para pesca, porque traz águas mais ricas em nutrientes das profundezas do oceano para as áreas mais superficiais”, observa.

No Brasil, a La Niña afeta as chuvas nos dois extremos do país.

No Sul, ficam mais irregulares, favorecendo períodos de estiagem e seca. Já no Norte e Nordeste, há um aumento das precipitações, principalmente entre agosto e fevereiro.

A La Niña também traz temperaturas abaixo da média ao país, ao favorecer a passagem de frentes frias. Isso ajuda a explicar, por exemplo, o verão mais ameno esse ano no Sudeste, observa o especialista da Climatempo.

Já o El Niño traz tempo mais quente em todo o Brasil, principalmente entre o final do inverno e o verão. E, nas chuvas, o sinal se inverte. No Norte e Nordeste, a chuva tende a ficar abaixo da média, enquanto no Sul, fica acima.

“Pode haver inundações severas e solo encharcado no Sul, trazendo prejuízos à produção agrícola”, diz Lucyrio, ponderando porém que a produtividade na região também pode ser beneficiada pela maior quantidade de chuvas.

Segundo o meteorologista, os modelos apontam uma probabilidade acima de 60% de ocorrência de El Niño no período de junho, julho e agosto. E a transição entre o La Niña e o El Niño deve acontecer de forma mais acelerada do que o padrão histórico.

Impactos do cafezinho ao etanol

O El Niño historicamente afetou negativamente a produção de café no Brasil’, diz analista — Foto: Getty Images

Os analistas são cautelosos em apontar possíveis impactos do El Niño na produção agrícola brasileira, já que ainda não é possível saber qual será a intensidade do fenômeno que pode ter início esse ano.

Mas, com base na ocorrência do evento climático no passado, é possível obter algumas pistas.

Um dos cultivos que podem ser afetados é o do café, segundo Natália Gandolphi, analista da consultoria HedgePoint Global Markets.

Essa é uma possível má notícia para os apreciadores da bebida, já que o café moído chegou a acumular alta de preços de mais de 60% em 12 meses em meados de 2022, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sob efeito de secas e geadas que afetaram a safra.

Desde então, a inflação do café perdeu força, mas o produto nunca retomou o patamar anterior de preços, com o pacote de 500g vendido a um preço médio de R$ 15,48 ao fim de 2022, de acordo com a Fundação Procon-SP.

“No geral, quando observamos os eventos de El Niño, há uma redução média de 5% na produção de [café do tipo] Arábica”, diz Gandolphi, analista da HedgePoint especialista neste produto.

Isso acontece, segundo ela, porque o El Niño provoca um inverno mais quente, prejudicando o desenvolvimento vegetativo do pé de café.

A época de florada, após setembro, e de crescimento, desenvolvimento e maturação dos frutos também pode ser prejudicada pelas temperaturas mais elevadas, diz a especialista.

“O El Niño historicamente afetou negativamente a produção de café no Brasil e isso é um fator altista [para os preços do produto]. Mas, hoje, a perspectiva para a safra 2024-2025, que seria a afetada pelo El Niño, é muito boa”, pondera.

Na cultura de cana-de-açúcar, o pico da safra no Brasil ocorre entre abril e agosto.

“Se vier um El Niño forte, ele pode levar a um inverno mais úmido. Isso é ruim para o ritmo da safra de açúcar, porque, se chove demais, as usinas não conseguem moer”, explica Lívea Coda, analista de açúcar e etanol da HedgePoint.

“Também é ruim para a concentração de sacarose, porque, nessa etapa do desenvolvimento da cana, se chove muito, ela fica mais ‘aguada’, com menor concentração de açúcar. Então, poderia ser ruim para a safra 2023-2024 do Brasil”, diz Coda.

Segundo ela, se o fenômeno se estender de dezembro a fevereiro, a precipitação no Centro-Sul pode diminuir, principalmente no norte de São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, comprometendo a próxima safra.

“Havendo um evento climático que afete a moagem, afeta tanto para o açúcar, como para o etanol. Se tiver um El Niño muito forte, que atrapalhe o ritmo da safra, pode ter um impacto na disponibilidade total de produto, e isso é uma pressão inflacionária para preços”, explica.

“Mas precisaria ter um evento muito forte, muito relevante, para isso acontecer e termos de fato um problema na safra brasileira de cana.”

Grãos e proteína animal

Pedro Schicchi, analista de grãos e proteína animal da consultoria, explica que um inverno mais úmido pode ser benéfico para a safra de milho de inverno no Mato Grosso e Goiás.

O evento também pode favorecer a safra de soja no Sul do país, com maior volume de chuvas, embora possa prejudicar o grão no Centro-Oeste, devido ao tempo mais seco.

“Se a chuva realmente vier e tivermos maior produção de milho, isso pode reduzir o custo da ração para os produtores de frango e suínos”, diz Schicchi.

“Para o gado bovino, a chuva amplia a área de pastagem, então, o efeito também pode ser positivo.”

Mas isso pode não necessariamente impactar o consumidor final, afirma o analista.

“Pode ser que essa redução de custos não seja repassada por diversos motivos, como o alto volume de exportação, real desvalorizado. Então, isso interage com outros fatores de mercado.”

E o setor elétrico?

No Brasil, os principais reservatórios hidrelétricos ficam nas regiões Sudeste e central do país.

“Para o setor elétrico, geralmente a La Niña é melhor, porque favorece a formação de zona de convergência do Atlântico Sul e frentes estacionárias nessas regiões”, explica o meteorologista Filipe Pungirum, mestre em Clima pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

“O El Niño favorece um tempo mais quente e seco na porção centro-norte do país e, por isso, não costuma ser positivo para a manutenção dos reservatórios de energia.”


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Reure Macena

Engenheiro Florestal, formado pela Universidade do Estado do Pará (UEPA), Especialista em Manejo Florestal e Auditor Líder - Sistema de Gestão Integrada (SGI). Um parceiro do Florestal Brasil desde o início, compartilhando conhecimento, aprendendo e buscando sempre a divulgação de informações que somem para o desenvolvimento Sustentável do setor florestal no Brasil e no mundo.

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