11 de Setembro: Dia Nacional do Cerrado

O Dia Nacional do Cerrado foi instituído pelo Decreto Presidencial não numerado de 20 de agosto de 2003, pelo então presidente da república Luiz Inácio Lula da Silva. Cabendo ao Ministério do Meio Ambiente fixar os programas e instruções para as comemorações da data.

Este texto aborda alguns temas relacionados ao bioma Cerrado, para apresentar um pouco de sua importância e características, que fazem dele a savana de maior biodiversidade e uma das regiões mais ameaçadas do planeta.

Extensão territorial


O Cerrado se destaca como o segundo maior bioma brasileiro, ocupando mais de 20% do território nacional, aproximadamente 203 milhões de hectares. Em extensão, entre os biomas brasileiros, o Cerrado fica atrás apenas da Amazônia e ocorre nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Bahia, Maranhão, Piauí e Distrito Federal, com encraves ainda em Roraima, Amapá, Amazonas e pequenas áreas no norte Paranaense. Além disso, incorpora ainda partes do território de países vizinhos como Bolívia e Paraguai. 

Povos Cerradeiros




Os povos e comunidades tradicionais do Cerrado, ou os povos Cerradeiros, são a representação atual da sociobiodiversidade do bioma, como conhecedores e guardiões do patrimônio ecológico e cultural da região. No tocante aos povos indígenas, no bioma encontramos mais de 80 etnias. Já os povos e comunidades tradicionais abrangem quilombolas, geraizeiros, vazanteiros, quebradeiras de coco, entre outros, que convivem com o Cerrado, o conservam e respeitam.



A relação dos povos Cerradeiros com o Cerrado é tão estreita que, é a natureza do bioma que dita a cultura e o modo de viver desses povos, eles não se vêem em outro lugar. Ó ciclo das plantas e das águas do Cerrado determina o sentido de vida dos Cerradeiros, define suas culturas, sua alimentação e seu conhecimento.

O Mestre em Geografia, Valmir Crispim dos Santos, explica que “a (RE)Existência construída pelos Povos Cerradeiros  apresenta em sua essência na luta pela terra, pela água, pelas práticas socioculturais, enfim na luta pelo território. Mendonça (2015), nos ensina que mesmo desterritorializados os Povos Cerradeiros se reinventam em sua reprodução social. “Essa (RE)existência pode ser observada na reinvenção das práticas socioculturais dos camponeses e trabalhadores da terra que, expulsos dela se reterritorializam nas áreas urbanas, nas áreas de fronteira e nos acampamentos e assentamentos mediante a luta pela terra e pela reforma agrária.” 


“Nesses espaços é comum os festejos de “folias de reis, as   procissões em devoção aos santos, fogueiras e festas juninas, fogões a lenha etc. (Mendonça 2015, p. 9). Esses, costumes, tradições, crenças e modos de vida mostra a essência da (RE)Existência dos Povos Cerradeiros desterritorializados em função da apropriação de seus espaços de vida pelo agrohidronegócio.  Preservar essas práticas significa resgatar um passado que continua presente nas lutas e (Re)Existências que afloram, pela consolidação do território, seus símbolos e saberes ou seja a luta pela terra e por políticas públicas capazes de oferecer o mínimo de dignidade aos Povos Cerradeiros.” 


Valmir Crispim dos Santos afirma ainda que, conforme Mendonça (2004, p. 327), “ser Cerradeiro é cultivar valores, tradições, saberes e sabores próprios do Cerrado”. Cerradeiro compreende várias categorias de trabalhadores da terra como indígenas, vazanteiros, veredeiros, quilombola, geraizeiros e chapadeiros”. Atualmente em Goiás, os Quilombolas representam a maior comunidade de Povos Cerradeiros, que ainda lutam para se manterem na terra, nesse território que é uma das últimas áreas preservadas do Cerrado.

Biodiversidade


É considerado a savana mais diversificada do mundo, representando cerca de 5% da flora e fauna mundial e um terço da biodiversidade brasileira, esse bioma, que abriga diversidade biológica comparável às florestas úmidas como a Amazônica e a Atlântica, tem sofrido intensa degradação de seus habitats e é, portanto, considerado um dos 35 hotspots de biodiversidade do mundo (biomas ricos em biodiversidade e extremamente ameaçados). 


Contam-se mais de 12.070 espécies conhecidas da sua flora, das quais 44% endêmicas. Da flora do Cerrado, 645 espécies encontram-se ameaçadas de extinção, o que representa mais de 30% das espécies presentes na lista vermelha do Brasil, além disso, estima-se que quase a totalidade das ervas ou plantas herbáceas encontradas no Cerrado, seja também exclusiva da região. Quanto às aves, há 856 espécies, cerca de metade da avifauna brasileira, sendo 30 endêmicas. Entre os mamíferos, mais de 200 espécies, com 10% de exclusivismo; dentre os répteis, contam-se 180 espécies, a metade do total brasileiro, e 17% de endemismo. 
O Cerrado é formado por um mosaico de vegetações. Em função de sua extensão territorial, diversidade de solos, altitudes e climas, possui diferentes fitofisionomias que englobam formações florestais, savânicas e campestres (figura 01). 

Fitofisionomias do Cerrado. Fonte: Embrapa.

Importância para a hidrografia brasileira

O espaço geográfico ocupado pelo bioma desempenha papel fundamental no processo de distribuição dos recursos hídricos pelo país, constituindo-se o local de origem das grandes regiões hidrográficas brasileiras e do continente sul-americano, fenômeno apelidado de “efeito guarda-chuva”. 

Dados da Embrapa Cerrados indicam que o bioma contribui com a vazão que flui em oito das 12 regiões hidrográficas brasileiras definidas pela Agência Nacional das Águas, de forma que a importância do bioma para a manutenção dos recursos hídricos do país é de grande relevância (Figura 02). 
O Cerrado e as regiões hidrográficas brasileiras. Fonte: Embrapa Cerrados
Os recursos hídricos do Cerrado possuem uma importância que extrapola em muito as dimensões do bioma. Considerando apenas questões como as de abastecimento, indústria, irrigação, navegação, recreação e turismo, já poderiam ser gerados diversos índices e números que mostram o quanto as águas do Cerrado representam para o Brasil. Vale ainda destacar que as bacias hidrográficas que possuem nascentes nesse bioma são de extrema importância para a geração da energia elétrica, as bacias do Paraguai, São Francisco e Tocantins tem importante contribuição para a geração de energia elétrica através das diversas usinas hidrelétricas presentes em seus rios.

Ameaças 

Mais de metade dos mais de 2 milhões de km² originais do Cerrado foram convertidas em áreas de produção agropecuária em menos de 40 anos. Não há no mundo outro exemplo de transformações de habitats (1 milhão de km²), em tão pouco intervalo de tempo. Embora a taxa de desmatamento do bioma tenha reduzido, cerca de 6.000 km² do Cerrado é desmatado anualmente. 


Numerosas espécies de plantas e animais estão ameaçadas ou correm risco de extinção. Estima-se que 20% das espécies nativas e endêmicas não são protegidas por nenhuma das áreas protegidas legais e pelo menos 345 espécies de animais que ocorrem no Cerrado estão ameaçadas de extinção, de acordo com as listas oficiais.

Grande parte da expansão agrícola ocorrida na última década deu-se sobre áreas de Cerrado, considerado a principal fronteira agrícola no país hoje, como por exemplo a região do Matopiba, com áreas no Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Dados do IBGE sobre a produção agrícola municipal na região do Matopiba, mostram que em 20 anos a área plantada por algodão, milho e soja na região aumentou em 400% (de 543.292 ha em 1990 para 2.718.807 ha em 2010), ocupando áreas que já sofriam processos de antropização e também áreas cobertas antes por cobertura vegetal do Cerrado.

A associação de fatores como o uso indiscriminado dos mananciais do Cerrado para irrigação das grandes lavouras e desmatamento de mata ciliares, aliados a estiagem, como a que atinge algumas regiões do Estado do Tocantins, gera resultados impactantes para a população e a fauna local, alguns rios praticamente desapareceram. A exemplo, a captação de água irregular aliada ao período seco fez com que a vazão do rio Formoso, em Lagoa da Confusão – TO, tivesse uma grande queda este ano, causando enorme impacto às populações de botos que ocupam o rio e prejuízos às populações ribeirinhas.

As queimadas, uma prática ainda muito utilizada principalmente para renovação de pastagens, abertura de novas áreas e mesmo no controle de pragas, também causam diversos impactos negativos ao Cerrado, afetando a biodiversidade, modificando a paisagem, degradando os solos e prejudicando a saúde humana. 

Conservação

A criação e implementação de áreas protegidas é ainda uma das principais ações empregadas para a conservação da biodiversidade. Apenas 11% da área de cobertura do bioma Cerrado se encontram no interior de áreas protegidas, elas têm sido aparentemente eficientes em conter o desmatamento do bioma, mas ainda faltam estudos que indiquem até que ponto a extensão, localização e conectividade dessas áreas podem ser representativas. Se considerarmos que a meta lançada pela Convenção de Diversidade Biológica de proteger 17% da superfície terrestre até o ano 2020, idealmente deveria ser atingida em cada bioma brasileiro, o Cerrado teria um déficit de pelo menos 6% na extensão das suas áreas protegidas. 

Está havendo um aumento nos investimentos em conservação no Cerrado, como a Iniciativa Cerrado Sustentável e Plano de Ação para Prevenção e Controle de Desmatamento e das Queimadas no Cerrado, que são os instrumentos existentes para permitir o alcance da meta de redução da taxa de conversão do Cerrado em 40% até 2020 traçada pelo Ministério do Meio Ambiente. Entretanto, ainda que assim seja, até 2016, o Brasil criou poucas áreas protegidas federais no país como um todo e ainda reduziu a área de algumas. 
Várias ONGs e outras organizações nacionais e internacionais também têm desenvolvido projetos no país, visando a produção sustentável no Cerrado e a conservação do que ainda resta da savana brasileira. Como exemplos dessas iniciativas temos a OSCIP Rede de Sementes do Cerrado, com o projeto Semeando o Bioma Cerrado;O Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), com projetos estratégicos de conservação das reservas de biodiversidade, o fundo é administrado pela Conservação Internacional, que tem como parceiros a Agência Francesa de Desenvolvimento, o Banco Mundial, a Fundação John D. e Catherine T. MacArthur, o Fundo Mundial para o Meio Ambiente, o governo do Japão e a União Europeia.


O monitoramento por satélite do avanço do desmatamento e conversão de terras no bioma é também uma importante ferramenta à conservação, como exemplo temos o Projeto TerraClass Cerrado: Mapeamento do Uso e Cobertura Vegetal do Cerrado.  Sob coordenação do MMA, técnicos do IBAMA, do INPE, da EMBRAPA, da UFG e da UFU juntaram esforços e competências para a formulação do mapeamento abrangendo a área contínua do Cerrado. A base de dados do TerraClass amplia a compreensão das dinâmicas ecológicas, econômicas e produtivas, permitindo gerenciar as relações entre pecuária, agricultura e meio ambiente e o aperfeiçoamento de estratégias de conservação.


Se considerarmos que o Brasil é globalmente importante para a segurança alimentar sendo hoje o um dos maiores produtores de alimentos do mundo, ameaças decorrentes de escassez de água, desaparecimento de polinizadores e mudanças climáticas irão afetar não só a biodiversidade em si, mas toda a economia dos habitantes do bioma, hoje fortemente centrada na agricultura. 


As projeções para as próximas quatro décadas indicam os maiores aumentos relativos na produção agrícola do país, é necessário que haja a compatibilidade entre os sistemas de produção e a conservação do Cerrado. Os impactos sofridos aqui (no Cerrado), irão atingir com toda certeza distâncias que extrapolam os limites geográficos, tendo em mente que o bioma faz divisa com vários outros. Além disso, três das maiores bacias hidrográficas sul-americanas têm suas cabeceiras no Cerrado (Araguaia/Tocantins, São Francisco e Paraná/Paraguai)  e seu efeito guarda-chuva, que distribui águas para 8 das 12 regiões hidrográficas brasileiras.


Dicas de Leitura: O que é o MATOPIBA? Importância do Cerrado para as regiões hidrográficas brasileirasDesmatamento do Cerrado, o novo vilão ambiental do BrasilA Conservação do Cerrado BrasileiroPrograma Cerrado SustentávelEstudo aponta intenso desmatamento no Cerrado

Fontes: Embrapa, WWF-Brasil, MMA, Livro Plantas Raras do Brasil, Livro Vermelho da Flora do Brasil: Plantas Raras do Cerrado, Rede Cerrado, Centro Nacional de Conservação da Flora
MENDONÇA, M. R. A urdidura espacial do capital e do trabalho no Cerrado do Sudeste Goiano. 2004. 457 f. Tese (Doutorado em Geografia) _ Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, 2004. 
______, As transformações espaciais no campo e os conflitos pelo acesso a terra e a água: as novas territorialidades do agrohidronegócio em Goiás. Revista Pegada. Presidente Prudente, v. 16, n. especial, p. 3-15, maio de 2015.
SANTOS, V. C. Extensão rural e valorização dos saberes/fazeres da Comunidade Quilombola kalunga de Monte Alegre de Goiás (GO), 2015. 197 p. (Mestrado em Geografia) – Universidade Federal de Goiás, 2015.

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