A região está no foco da expansão do agronegócio. Queimadas preocupam lideranças do território, que cobram providências do governo federal e questionam a falta de proteção para a área ameaçada. Na imagem acima queimada na gleba Abelhas, próxima à TI Juma (Foto: Marizilda Cruppe/Greenpeace/agosto 2023).
Manaus (AM)- Os sobreviventes do povo Juma – que foi perseguido e quase chegou à extinção devido a ondas de massacre durante o período colonial e nos conflitos agrários – têm a terra indígena cercada por pastos, queimadas, desmatamento, grilagem e caça ilegal. No território viveu até 2021 o grande líder Aruká Juma, guerreiro que morreu de Covid-19.
A terra Juma está localizada em Canutama, no sul do Amazonas. A região é foco da expansão do agronegócio e de desmatamentos ilegais. Fica na fronteira com o Acre e Rondônia (também chamada de Amacro).
Nas primeiras semanas de setembro, o Amazonas atingiu seu ápice no número de queimadas, o que afeta a Terra Indígena Juma, localizada na região mais vulnerável nesse época de incêndios. “Está aparecendo queimada, a gente vê queimada, fumaceira. Hoje, ontem, a gente está sentindo cheiro de queimado”, afirmou no início do mês a cacica Borehá Juma à Amazônia Real.
No momento o Amazonas se aproxima da marca de seis mil focos de fogo, número relativo a setembro. “A fumaça já alcançou nossa aldeia, aqui no ar a gente já pode notar que tem fumaça, cheiro de queimada, já começamos a notar que estão se aproximando essas queimadas, esses desmatamentos”, diz Puré Juma Uru Eu Wau Wau, coordenador da Associação do Povo Indígena Juma-Jawara Pina.
“A gente está preocupado mesmo é em saber como é que está para trás, porque o sol não está aparecendo. A gente está sentindo o sol diferente porque o indígena sabe como é a mata. O sol está ficando avermelhado”, complementa a cacica Borehá Juma.
Neste ano, entre janeiro e setembro, Canutama está entre os dez municípios com mais focos de calor no Amazonas. Com 3,6% de todos os focos, é o oitavo colocado no ranking.
Em agosto de 2023, o Greenpeace realizou um sobrevoo na região da Terra Indígena Juma e flagrou uma parte da floresta queimando, no limite entre Humaitá e Tapauá, cidades do interior do Amazonas. O chão estava escuro, coberto pelo que restava do fogo, a 500 metros da TI Juma.
Para Puré Juma, é nítido que os focos de fogo estão prestes a atingir o território. “A gente nota que daqui mais uns meses essas queimadas podem chegar e pode ser sim que já tenha chegado, porque alguns aplicativos a gente nota que são um pouco atrasados, então nem sempre estão atualizando as informações recentes”.
A principal preocupação dos Juma é o avanço dos crimes ambientais na região, situação que segue sem monitoramento. Eles ainda não sabem se as invasões e focos já atingem o limite da terra indígena. “Tem grileiro, madeireiro e garimpo. Agora está começando a existir fazenda também”, explica Borehá. “A gente se sente com medo, tem medo sim. Se continuar assim eu sei que o mato vai acabar, vai queimar, com o grileiro, madeireiro em cima da gente. A gente fica com medo de que a terra da gente vai acabar”.
Os Juma aguardam um posicionamento do governo Lula, mas até agora dizem estar sem resposta.
Território cercado
Ao redor da Terra Indígena Juma, inúmeros Cadastros Ambientais Rurais (CARs) podem ser encontrados. Um exemplo é o caso da Floresta Pública Federal Gleba Abelhas, que tem 84% de sua área sobreposta por imóveis autodeclarados e faz limite com a TI. Conforme o Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (SICAR), existem 264 CARs. Desses, 61 estão ativos, três cancelados, 123 pendentes e 77 suspensos.
“O que a gente vê ali na Gleba Abelhas é justamente um avanço muito grande da grilagem, porque é uma floresta pública não destinada e a gente viu um monte de CARs colocados naquela região e também bastante desmatamento. As características que a gente vê em alguns lugares, onde já foi feito o desmatamento e as queimadas há mais tempo, é para a prática da pecuária”, afirma Rômulo Batista, porta- voz do Greenpeace na região.
Com os CARs sobrepondo a região, desde 2019 o desflorestamento acontece ao lado da TI Juma. Em 2020, foram registrados 1.015 hectares desflorestados; em 2021 o número mais que dobrou e em 2022 atingiu o ápice de 6.504 hectares desflorestados. Os dados são do sistema Prodes do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Mesmo com uma queda no desmatamento da Amazônia em 33,6% nos seis primeiros meses de 2023 em comparação com o mesmo período de 2022, a gleba vem alcançando novos recordes desde 2019. O último recorde registrado pelo sistema de alertas do Deter, levantamento rápido de alertas de evidências de alteração da cobertura florestal na Amazônia feito pelo Inpe, foi entre agosto de 2022 e julho de 2023. Foram registrados 7.261 hectares de desmatamento dentro dos limites da gleba.
Segundo Rômulo Batista, durante o sobrevoo do Greenpeace foram avistadas áreas já consolidadas de criação de gado. Na região, muitas delas podem estar destinadas de forma correta, conforme a legislação ambiental que estabelece um desmatamento de até 20% sobre a terra.
“O que a gente viu é muito desmatamento em área que estava no banco de dados oficial como floresta pública não destinada, em cima dessas áreas públicas não destinadas há um monte de CAR, inclusive com desmatamento”, explica.
Metade das áreas desmatadas registrada pelo Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes) encontram-se em imóveis rurais inscritos no CAR, sobrepondo a áreas privadas ou sem informação fundiária (18%), a terras públicas não destinadas (15%), assentamentos (10%) e UCs (6%).
“Quando você pega esses CARs em florestas públicas não destinadas, você tem aí um indício muito forte de um processo de grilagem dessa região, porque se é uma floresta pública federal tinha que ter uma destinação dada pelos órgãos federais e não poderia ter emissão de CAR”, acrescenta Rômulo
Em um dos extremos da TI Juma existe um requerimento de pesquisa de minério de ouro da empresa Verde Fertilizantes LTDA, em uma área de 3.124,67 hectares de terra. A pesquisa não foi autorizada até o momento. Há um parecer técnico, de 2022, com pedido de desistência da empresa. Apesar disso, o processo encontra-se “ativo” no site de consulta da Agência Nacional de Mineração.
Outra área ameaçada, em outra extremidade da TI Juma, é a Floresta Nacional Balata-Tufari. Para Rômulo, existe uma indústria da grilagem no sul do Amazonas que precisa ser contida, a começar pela revisão dos CARs. Para isso houve o envio de uma carta ao consórcio da Amazônia Legal.
“O que a gente está pedindo para os governadores é justamente para cancelarem todos os CARs cadastrados dentro de unidade de conservação, dentro de terra indígena e nas florestas públicas não destinadas. Quando estiverem em um desses territórios tem que cancelar porque eles não devem existir no sistema até o final da do ano que vem e validar todos os outros para a partir daí a gente conseguir entender as propriedades rurais que são autodeclaratórias, ou seja, confirmar que existe a documentação daquela terra pertencente aquela pessoa e se ele está respeitando as leis ambientais”, conclui.
Invasões e ameaças
Vulnerável, a TI Juma mantém ao menos seis famílias que dependem da floresta. As invasões são a principal ameaça e podem agravar a insegurança alimentar e até mesmo levar a conflitos pela terra.
“A questão da ameaça de hoje do povo Juma desaparecer é um risco muito grande que a gente vem tentando evitar. Pode acontecer um conflito e causar ameaça ou até mesmo a morte, isso é uma questão preocupante para nós do povo indígena Juma”, afirma Puré Juma.
No território, Puré Juma relatou à Amazônia Real que agentes de saúde do posto de controle local já presenciaram mais de dez pescadores ilegais de tracajás entrando na área. E há uma estimativa da retirada de mais de três mil ovos de tracajá nas proximidades da terra indígena e na Flona Balata Tufari.
“Estamos nos sentindo pressionados por conta dessas invasões e queimadas que estão ao redor. A questão do desmatamento pode afetar tanto a cultura quanto nosso meio de vivência, como a pesca e o afastamento de caça. Isso traz um grande prejuízo e um grande problema no nosso futuro”, diz a liderança.
Puré explica que tem se articulado junto a representantes do governo federal para combater os crimes ambientais na região, mas ainda não houve uma mudança por parte da Funai e do Ibama.
“A flona Balata Tufari é uma unidade de conservação na qual o ICMbio tem dever de proteger, mas isso nunca aconteceu e agora, com esses ataques de novo, queimadas, com a caça predatória de tracajá, a gente vê que é uma ameaça muito grande. Com esses órgãos federais distantes isso acaba fragilizando a nossa proteção e a dos animais”, complementa.
Funai e Ibama foram procurados pela Amazônia Real, mas não responderam até a publicação desta reportagem.
As lideranças estão em busca de uma forma de proteger o território e combater as ações criminosas entre Lábrea e Humaitá, junto às estradas próximas à TI como a BR-230 e o próprio rio Assuã, afluente do rio Purus que é usado para o tráfego e fica a cinco minutos da terra indígena.
Puré Juma diz que ainda não houve nenhuma fiscalização por parte do ICMbio ou Ibama e que já solicitou ao Ministério dos Povos Indígenas a presença dos órgãos ambientais na área.
“A gente espera que as autoridades possam tomar providência tanto de multar esses invasores como para a apreensão e retirada desse pessoal, tanto na caça predatória de tracajá dos ovos, de peixe e na questão de queimada, derrubada, que está basicamente ao redor do território porque a gente que se isso continuar, pode aprofundar mais e atingir o nosso território diretamente, não só como um território, como nós moradores da terra indígena”.
Passado de perseguição
O povo Juma, desde o início da colonização, é perseguido e exterminado em suas terras. Até o século 18, relatos de historiadores registram que os Juma eram em torno de 15 mil pessoas. As invasões por garimpeiros fizeram com que os Juma se deslocassem do Alto Tapajós (PA) para o rio Madeira e Purus. Em 1964 o povo foi massacrado, quando seringalistas e comerciantes de castanha de Canutama (AM) invadiram a terra para estabelecer o extrativismo. Até os dias atuais não houve punição aos crimes e, segundo os relatos, mais de 60 Juma foram mortos em defesa do território.
Após os massacres, mais um capítulo trágico ocorreu em 1998, quando os últimos seis Juma foram retirados ilegalmente de seu território. Na ocasião, o administrador da Funai de Porto Velho (RO), Sadi Olívio Biavalli, retirou de forma ilegal, e sem estudo antropológico, os últimos seis da terra tradicional.
As jovens Mandeí, Maitá e Borehá, o pai Aruká e o casal de tios idosos, Inté e Marimã, foram levados, primeiro, à Casa de Saúde do Índio (Casai) de Porto Velho. Depois foram morar na aldeia Alto Jamari, que fica na Terra Indígena Uru-eu-wau-wau.
Depois de anos de desamparo e violação, em 2012 eles retornaram para a Terra Indígena Juma, após 14 anos de afastamento e quatro tentativas de regresso mal sucedidas entre os anos de 2008 a 2011. Mesmo com a retomada do território, a reparação ao povo Juma ainda não foi completa e eles seguem em constante ameaça.
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