Desmatamento no cerrado anula ganhos climáticos na Amazônia

Ma-to-pi-ba. Parece nome
de fruta do cerrado, como gabiroba, bocaiúva e araticum, mas trata-se da maior
fronteira agrícola do país e a porção do cerrado mais ameaçada pelo
desmatamento. De acordo com um novo estudo, que monitorou as emissões de
carbono florestal em terras cultivadas na região, as emissões de gás carbônico
no Matopiba já correspondem a quase metade do emitido por todo o bioma – e já
anulam parte da aplaudida redução da taxa de desmatamento na Amazônia. 
Pássaros em revoada sobre área de lavoura no Matopiba (Foto: Thiago Foresti/Ipam)
Estima-se
que quase metade (45%) dos gases de efeito estufa liberados pelo cerrado tenham
origem nas terras de Matopiba, uma área de mais de 400 mil km2 composta pelos
Estados do Maranhão, do Tocantins, do Piauí e da Bahia (daí o nome, formado
pelas iniciais dos quatro Estados). O novo estudo foi feito por pesquisadores
do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), da Nasa, da Embrapa e da
Universidade de Wisconsin, nos EUA. De acordo com a pesquisa, mais de 870
milhões de toneladas de dióxido de carbono foram lançadas na atmosfera
pelo cerrado entre 2003 e 2013, o que equivale a cerca de 5% a 7% da redução de
desmatamento na maior floresta tropical do planeta por ano no mesmo período.
O
desmatamento em Matopiba vem sendo motivado pela força do agronegócio. A região
vale mais desmatada, produzindo sacas de soja, de milho e de algodão, do que de
pé. O Matopiba já perdeu parte considerável (27%) de sua cobertura vegetal,
especialmente pelo clima uniforme e pelas áreas planas, classificadas como
chapadões, que oferecem boas condições ao plantio de grãos. Prova disso é a
safra recorde de 8,8 milhões de toneladas (2013/2014) e a previsão de quase
triplicar esse valor (22,6 de toneladas) até 2023.
Mas
ainda é tempo de salvar o cerrado no Matopiba e reduzir as emissões de carbono.
Áreas degradadas dariam conta de suprir toda a demanda por novas terras
agrícolas, segundo o pesquisador Arnaldo Carneiro Filho, do Inpa (Instituto
Nacional de Pesquisas da Amazônia). O método de tentativa e erro aplicado em
grande medida na expansão da soja no Matopiba gerou um grande desperdício de
áreas. “É possível manter a expansão da agricultura e aumentar a produtividade
sem comprometer novas áreas de vegetação nativa, seja no cerrado, seja na
Amazônia”, diz o pesquisador.
Queimada na região do Matopiba (Foto: Thiago Foresti/Ipam)

Ele
é autor de um relatório recente publicado pelo Agroicone, segundo o qual a área
plantada com soja no Matopiba cresceu 253% entre 2000 e 2014 (de 1 milhão para
3,5 milhões de hectares). Cerca de 68% dessa expansão ocorreu em áreas de
vegetação nativa.
No
entanto, segundo dados da Agrosatélite citados pelo relatório, há em todo o
cerrado mais e 18 milhões de hectares de pastagens com alta e média aptidão
agrícola, que poderiam ser usadas para o cultivo mecanizado de soja. Desse
total, 10% estão no Matopiba, que possui ainda 6,4 milhões de hectares de
pastagens que não prestam para a agricultura e que poderiam ser destinadas à
intensificação da pecuária ou à recuperação florestal.
De
acordo Márcia Macedo, pesquisadora do Ipam e uma das autoras do estudo sobre emissões,
é comum imaginar que biomas como o cerrado não têm potencial para emitir grande
quantidade de gases de efeito estufa. “Há muita vegetação no cerrado, inclusive
florestas, e com elevado potencial de emissão de poluentes”, diz.
Apenas
o Matopiba concentra 27,3 milhões de hectares de vegetação nativa.
Traduzindo para potencial de poluição: são cerca de 2,5 bilhões de
toneladas de dióxido de carbono estocadas, mais do que a emissão anual de todo
o Brasil. Parte importante de sua biomassa está abaixo do solo, nas raízes. O
cerrado é o que os pesquisadores costumam chamar de “floresta invertida”.
Sem
proteção suficiente, toda a biodiversidade do bioma sofre grande ameaça. O
cerrado tem 11.627 espécies de plantas catalogadas, uma grande variedade de
aves (837 espécies), de peixes (1.200 espécies), de répteis (180 espécies) e de
anfíbios (150 espécies). Sem contar as nascentes do cerrado que abastecem as
três maiores bacias hidrográficas da América do Sul: a do São Francisco, do
Tocantins-Araguaia e do Paraná.
Do
ponto de vista do agronegócio, desmatar o cerrado pode ter suas vantagens, se
comparado à Amazônia. O cerrado é o bioma brasileiro que possui a menor
porcentagem de áreas sobre proteção integral: apenas 8,21% de seu território
está legalmente protegido por unidades de conservação, o que facilita a
grilagem da terra e coloca o bioma em risco, afirma a pesquisadora Mercedes
Bustamante, da Universidade de Brasília, especialista em cerrado. “Se as áreas
protegidas do cerrado não forem aumentadas pelo governo, corre-se o sério risco
de perdê-las”, diz Bustamante.
Por
esta razão, é urgente a implantação de um mecanismo de controle da expansão da
soja, que alie incentivos econômicos e financeiros para promover a reocupação
de áreas já abertas e abandonadas ou áreas de pastagem, fazendo integração
lavoura-pasto. “Já existe tecnologia suficiente para evitar o desperdício de
áreas e promover a inteligência territorial no uso e ocupação do solo”, afirma
Tiago Reis, pesquisador do Ipam.
Por Luciana Vicária, do OC


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