Para onde forem dois fenômenos do Brasil profundo, o corte de florestas nativas e o crescimento da agropecuária, as emissões nacionais de gases de estufa (GEE) também irão. O país tem um perfil bem diferente em relação às grandes economias que mais liberam na atmosfera dióxido de carbono (CO₂), metano (CH₄), óxido nitroso (N₂O) e gases fluorados (como HFC, PFC, SF₆ e NF₃), que representam a quase totalidade dos GEE produzidos no planeta. Esses compostos retêm calor na atmosfera, potencializam o aquecimento global e exercem o papel de combustível das mudanças climáticas.

Segundo o mais recente Inventário Nacional de Emissões e Remoções de GEE, divulgado em dezembro de 2024 pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), 39,5% dos GEE emitidos pelo Brasil são em grande parte oriundos da conversão de áreas de vegetação nativa – basicamente florestas – em campos, pastagens e terras para lavoura. Outros 30,5% advêm da agropecuária, sobretudo da criação de bovinos (quase 20% do total) e do manejo de solos (7%).
Ainda de acordo com o documento, o setor de energia, no qual são contabilizadas as emissões de combustíveis fósseis (petróleo, gás e carvão), responde por 20,5%. As duas grandes categorias que menos liberam gases de efeito estufa são a indústria (5% do total) e a disposição e o tratamento de resíduos sólidos e líquidos (4,5%). As porcentagens se referem a 2022, o último ano coberto pela série histórica do inventário.
Um peso tão elevado do setor de uso da terra, mudança do uso da terra e florestas – resumido na sigla LULUCF, que engloba as emissões decorrentes do desmatamento – e da agropecuária dificilmente será encontrado no balanço de carbono de nações de porte semelhante. Na Indonésia, país com a segunda maior floresta tropical do planeta e cuja economia representa quase dois terços da brasileira, a categoria energia responde por 53% das emissões (a agropecuária por quase 10% do total e o LULUCF por pouco mais de 22%). Entre os países que mais liberam GEE, a área de energia é responsável por aproximadamente 75% das emissões, quase quatro vezes mais do que o Brasil em termos proporcionais.
“A taxa de desmatamento na Amazônia tem grande influência no perfil e no tamanho das emissões do Brasil”, diz o economista Régis Rathmann, supervisor do inventário nacional. O desflorestamento modula o viés de alta (ou de baixa) das emissões nacionais. “Como nossa matriz energética é limpa, devido ao uso de biocombustíveis nos automóveis e de hidrelétricas e outras fontes renováveis para gerar eletricidade, o peso das emissões do setor de energia é proporcionalmente menor aqui do que em outros países.”
O peso do Brasil nas emissões globais varia em função do ano e da metodologia de análise. O país quase sempre aparece na sexta posição entre os maiores geradores de GEE, flutuando, às vezes, para a quinta ou a sétima colocação. Sua contribuição representa entre 2% e 3% do total de gases de efeito estufa contabilizados em um período. Segundo o Emissions Gap Report, divulgado no ano passado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), o Brasil foi o sexto maior emissor de GEE em 2023, atrás de China (30% do total), Estados Unidos (11%), Índia (8%), União Europeia (6%) e Rússia (5%).
As emissões líquidas de GEE no Brasil em 2022 atingiram pouco mais de 2 bilhões de toneladas (t) de dióxido de carbono equivalente (CO₂eq), uma leve queda em relação ao ano anterior. Elas representam o total de GEE gerado por todos os setores da economia nacional (emissões brutas) menos a remoção de CO₂ atmosférico atribuída à fixação de carbono, por exemplo, via fotossíntese, na biomassa da vegetação preservada em unidades de conservação e terras indígenas.
Para possibilitar a obtenção de um único valor que expresse a soma de todas as emissões dos principais gases de efeito estufa, os inventários nacionais adotam como unidade de medida o CO₂eq. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) preconiza o emprego preferencial do índice GWP-100 para calcular a equivalência entre os gases. Com o uso do GWP-100, a quantidade emitida de metano, óxido nitroso e gases fluorados é transformada em seu equivalente de dióxido de carbono.
“A conversão é feita de acordo com a vida média e o potencial que cada gás tem de aquecer a atmosfera por um período de 100 anos em relação ao CO₂”, explica o engenheiro químico David Tsai, da organização não governamental Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema). Ele coordena o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (Seeg), projeto da rede de organizações não governamentais Observatório do Clima (OC). O Seeg é uma iniciativa da sociedade civil que calcula o balanço de carbono do país, seguindo uma metodologia similar à adotada pelo inventário nacional. O total das emissões líquidas do Brasil obtido pelo inventário nacional e pelo Seeg costuma ser bem parecido e refletir as mesmas tendências de subida ou queda na produção de GEE.
Para 2022, o Seeg chegou a um total de emissões líquidas de quase 2 bilhões de t de CO₂eq, ligeiramente abaixo do calculado pelo inventário nacional. Os dados mais recentes do sistema montado pelo OC são de 2023, quando as emissões líquidas atingiram 1,65 bilhão de t de CO₂eq, queda de 15% em relação a 2022. O inventário nacional ainda não divulgou o valor das emissões de 2023. “Calculamos as emissões a partir de dados consolidados, o que demanda tempo para as instituições provedoras os fornecerem. Além disso, atendemos ao compromisso internacional de relatar as emissões com um intervalo de até dois anos entre o ano de submissão e o último ano inventariado. É o mesmo padrão adotado pelos países desenvolvidos”, conta Rathmann. “Assim, temos dados oficiais mais consolidados dos setores que entram no inventário.” O Seeg tem um pouco mais de liberdade e, quando não estão disponíveis informações consolidadas sobre a economia nacional, pode recorrer a fontes alternativas ou, em casos extremos, até a estimativas.
A receita do IPCC
Em 2006, o IPCC lançou as bases metodológicas usadas pela maioria dos países e de projetos como o Seeg para elaborar um inventário das emissões de GEE. “Essa metodologia passa por atualizações periódicas conforme a ciência avança e a forma de calcular as emissões de cada atividade econômica ou processo se refina”, comenta o engenheiro-agrônomo Carlos Eduardo Cerri, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), coordenador do Centro de Estudos de Carbono em Agricultura Tropical (CCarbon-USP), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) apoiados pela FAPESP. “É importante que os países adotem os mesmos critérios para que faça sentido comparar seus níveis de emissão.”
O primeiro passo dos inventários é calcular as emissões em cinco setores: energia; processos industriais e uso de produtos; agropecuária; resíduos; e LULUCF. Os quatro primeiros só liberam GEE. O LULUCF é o único que, além de emitir, pode reportar nos relatórios a remoção de CO₂ do ar por meio da fotossíntese, que fixa carbono na biomassa das plantas e até no solo.
Em seguida, é calculado quanto cada processo ou atividade abarcado pelos setores gera de GEE. No cálculo, dois tipos de informação são imprescindíveis: os chamados dados de atividade, que são multiplicados por fatores de emissão. Os dados de atividade dão a dimensão e as características principais de um segmento econômico. No setor de processos industriais e uso de produtos, um exemplo seria a quantidade de toneladas produzidas anualmente de cimento ou ferro. Os fatores de emissão são valores consagrados na literatura científica que estimam quanto cada atividade libera de GEE. São divididos em três níveis ou, para usar a terminologia dos especialistas, tiers.
O primeiro nível, proposto pelo IPCC, é o mais genérico e menos preciso. É um fator de emissão que vale para certa atividade, independentemente das condições e do país em que ela ocorra. O segundo vale para uma nação ou partes dela. O tier 3 é mais específico e tem o potencial de refletir as emissões de um lugar ou fábrica determinada. “O Brasil emprega hoje fatores dos tiers 2 e 3 para estimar 95% de suas emissões totais, como os países mais desenvolvidos”, diz Rathmann.
Um caso que ilustra bem essa particularidade é o cálculo da produção de metano pela fermentação entérica (o processo digestivo) de ruminantes, essencialmente do rebanho bovino nacional, que ultrapassa 200 milhões de cabeças e emite quase um quinto de todos os GEE gerados pelo país. Atualmente, há fatores de emissão específicos para diferentes tipos de bovinos criados em cada estado brasileiro. O documento do Seeg considera, por exemplo, que um bovino macho, com mais de 2 anos, mantido de forma não confinada, emite anualmente 72 quilos (kg) de metano se for criado em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás e 63 kg se estiver em Alagoas ou outros estados.
Essas diferenças impactam o resultado de um inventário. “Precisamos produzir mais ciência para propor fatores de emissão cada vez mais específicos”, diz o engenheiro ambiental Gabriel Quintana, da organização não governamental Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), que coordena os trabalhos do Seeg no setor agropecuário. Para serem aceitos internacionalmente, os fatores de impacto do tiers 2 e 3 precisam ser documentados de forma transparente, ser consistentes com as diretrizes do IPCC e ter base científica ou empírica robusta.
Entre 1990 e 2022, a produção anual de metano por cabeça de bovinos de corte caiu cerca de 8% no país, segundo o inventário nacional. Mas, como a taxa de crescimento do rebanho foi maior do que o ganho de produtividade, as emissões totais geradas pela fermentação entérica continuam em alta (ver gráfico abaixo). “Melhorar a qualidade do pasto diminui a produção de metano pelos bovinos”, pondera Cerri. “Temos ainda muito espaço para avançar nessa área.”
O peso do desmatamento
O cálculo das emissões referentes a uso da terra, mudanças do uso da terra e florestas é diferente do que é feito nos demais setores. A liberação de GEE ocorre quando uma categoria de uso da terra que estoca mais carbono, como as florestas nativas, é convertida em outra que retém menos, como campos, pastagens e áreas agrícolas. Em outras palavras, a emissão deriva do desmatamento. Essa é a “atividade econômica” registrada pelo setor de LULUCF. A emissão calculada é a diferença entre a quantidade de carbono que estava armazenada no trecho de mata nativa e a que passou a ser estocada no novo fim dado àquela mesma área, após a derrubada da vegetação original.
Esses valores são muito diferentes, especialmente quando envolvem o bioma Amazônia, cuja floresta estoca mais carbono na biomassa das plantas do que a vegetação dos outros ecossistemas. Tanto o Seeg quanto o inventário nacional trabalham com fatores de emissão específicos (do tier 2) para diferentes fisionomias vegetais da Amazônia. Há 44 fisionomias vegetais no bioma, que engloba metade do território nacional. A mais comum pertence ao grupo das florestas ombrófilas densas, que cobrem cerca de metade da Amazônia.
A quantidade de carbono armazenada em 1 hectare desse tipo de mata varia entre 130 t e 201 t. “Um hectare de pasto estoca em média cerca de 10 t, 1 de soja, 6 t”, afirma a ecóloga Bárbara Zimbres, do Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia (Ipam), que coordena o monitoramento do setor de LULUCF no Seeg. Em um cálculo conservador, se de um ano para outro um hectare de floresta com 130 t de carbono armazenado for desmatado e virar pasto, haverá uma emissão de 120 t de GEE. O inventário nacional utiliza o mapeamento do uso e da cobertura da terra obtido a partir de imagens de satélite do território nacional, além de outros dados, enquanto o Seeg emprega os mapas do projeto MapBiomas, outra iniciativa que nasceu no Observatório do Clima, mas hoje envolve instituições de pesquisa, organizações não governamentais e empresas de tecnologia e geoprocessamento.
A categoria LULUCF é a única que também contabiliza eventuais remoções de carbono da atmosfera, enquanto os demais setores apenas contribuem com o lado – majoritário – das emissões nos inventários. Essa particularidade faz com que o valor das emissões líquidas (descontadas as remoções) do setor possa ser menor se houver a adoção de práticas que promovam a absorção de CO₂ da atmosfera ou que evitem seu retorno para o ar.
Dois mecanismos de remoção de carbono são aceitos pelo IPCC e contabilizados nos inventários. O mais importante está ligado ao crescimento das plantas. Na fotossíntese, elas absorvem CO₂ e fixam o carbono retirado da atmosfera em seu tronco, galhos, folhas, raízes e solo. Esse mecanismo ocorre onde há vegetação em desenvolvimento.
Mas, nos inventários, apenas se contabiliza como remoção de carbono o crescimento da vegetação em áreas protegidas (unidades de conservação e terras indígenas) e de florestas secundárias. Estas representam as formações vegetais que crescem espontaneamente em antigos trechos de floresta nativa que foram desmatados e abandonados. “Como há um esforço para manter a vegetação nas unidades de proteção, o carbono estocado nas plantas dessas áreas pode ser contabilizado como remoção no inventário”, explica Zimbres.

Uma segunda situação pode ser debitada na conta das remoções. É o emprego de madeira oriunda de áreas de reflorestamento, como plantações de eucalipto, para fabricar móveis ou outros artefatos. Como essa madeira não foi queimada nem vai ser deixada para apodrecer ao ar livre, seu estoque de carbono não volta para a atmosfera. Fica imobilizado no produto por um longo tempo, enquanto a área de reflorestamento volta a crescer e a sequestrar mais carbono do ar, criando um círculo virtuoso. Em 2022, o inventário calculou que as remoções em áreas protegidas e em segmentos de reflorestamento manejado reduziram, respectivamente, em 15,3% e 2,8% o valor final das emissões totais de GEE do Brasil. Esses dados mostram a importância ambiental da proteção de grandes áreas do território nacional.
Por mais bem-feitos que sejam, os inventários não estão isentos de imperfeições, embora sejam melhorados a cada edição. Há lacunas e imprecisões, tanto no campo das emissões como nodas remoções de GEE. A margem de erro dos cálculos do inventário nacional é de cerca de 20%. A do Seeg é similar. A metodologia preconizada pelo IPCC sofre aprimoramentos periódicos, que aperfeiçoam as formas de calcular a produção de gases de efeito estufa em diferentes setores da economia.
No cenário brasileiro, uma inconsistência é a não inclusão no inventário nacional das emissões produzidas por queimadas não associadas ao desmatamento. Os incêndios diretamente ligados aos desflorestamentos entram nos cálculos oficiais. Mas as queimadas de grandes proporções, propositais ou não, em campos, pastagens ou setores de floresta ainda enfrentam desafios para serem adequadamente capturadas e incluídas nas estimativas do inventário. “Com as secas recorrentes na Amazônia e em outras regiões do país e as temperaturas mais quentes, esses incêndios têm se tornado mais intensos, frequentes e relevantes no que diz respeito às emissões de carbono”, pondera o engenheiro-agrônomo Jean Ometto, do Inpe, um dos coordenadores do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG). “Incêndios recorrentes tendem a degradar setores da floresta, o que afeta sua capacidade de sequestrar carbono da atmosfera.”
Em seu relatório anual, o Seeg reporta a liberação de GEE dos incêndios não relacionados ao desmatamento. Mas não contabiliza essa forma de produção de gases de efeito estufa com as demais. Ela é mencionada à parte, como emissões não contabilizadas no inventário. Em 2023, atingiram a soma de 100 milhões de t de CO₂eq.
Os quase 200 países signatários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC) e do Acordo de Paris – tratado internacional firmado em 2015 que tenta limitar as emissões de GEE e, por tabela, restringir o aquecimento global a no máximo 2 graus Celsius – têm de reportar periodicamente seu total de emissões. Além de servir de subsídio para a formulação de políticas nacionais, os inventários funcionam como base para que os países estabeleçam suas próprias metas de redução de emissões futuras, a chamada NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada), no âmbito do Acordo de Paris.
Divulgada no ano passado, a nova meta do Brasil prevê que, em 2035, as emissões líquidas de GEE (que levam em conta as remoções feitas pela manutenção de vegetação) representem entre 59% e 67% da produção de GEE em 2005. Esse corte levaria o Brasil a emitir anualmente entre 850 milhões e 1,05 bilhão de t de CO₂eq. Desde o fim de 2024, os países signatários do Acordo de Paris são obrigados a produzir inventários oficiais a cada dois anos e a adotar a mesma metodologia para fazer seus relatórios. “Isso vai facilitar a comparação das emissões dos países, especialmente entre aqueles que usavam metodologias mais antigas”, comenta Rathmann. Está cada vez mais difícil esconder a pegada de carbono.
A reportagem acima foi publicada com o título “No ritmo da floresta e do campo” na edição impressa nº 353, de julho de 2025.
Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.
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