Nas cidades, onde o concreto domina e o tempo parece correr mais rápido que o vento, o simples ato de cultivar uma planta pode ser um gesto político, ambiental e até de sobrevivência. Um estudo da Esalq/USP, conduzido pelo pesquisador Eduardo Ribas em parceria com o professor Demóstenes Ferreira Silva Filho, traz uma revelação poderosa: cultivar plantas em ambientes urbanos não é apenas possível — é estratégico.

Segundo os pesquisadores, o cultivo de espécies comestíveis e medicinais dentro das cidades pode reduzir os efeitos das mudanças climáticas, melhorar a qualidade do ar e fortalecer a segurança alimentar, especialmente entre as famílias de baixa renda. O estudo mergulhou no comportamento de moradores da Região Metropolitana de São Paulo e mostrou que mais de 60% já praticaram o forrageamento urbano — ou seja, o ato de coletar ou cultivar plantas comestíveis dentro da cidade.
Forrageamento urbano: a redescoberta do alimento vivo nas cidades
A pesquisa mostrou que o forrageamento, antes visto como algo restrito a comunidades rurais, está ganhando espaço nas metrópoles. Cerca de 30% dos entrevistados afirmaram que cultivam ou coletam plantas comestíveis para o próprio consumo.
Essas pessoas resgatam práticas tradicionais e conhecimentos sobre a natureza que, nas grandes cidades, foram sendo esquecidos. “Existe um saber ecológico que está desaparecendo, uma desconexão entre as pessoas e as plantas que as cercam”, explica Ribas.
E não se trata apenas de plantar para comer. O verde urbano cumpre outras funções vitais: sombreamento, melhor infiltração da água no solo, melhoria da qualidade do ar e redução das ilhas de calor — fenômeno que faz com que as cidades fiquem vários graus mais quentes do que as áreas rurais ao redor.
Plantar como ato de resistência
No coração das grandes cidades, plantar é também uma forma de resistência. Enquanto a especulação imobiliária avança e os espaços verdes desaparecem, hortas comunitárias e jardins comestíveis surgem em terrenos baldios, quintais e até nas varandas de apartamentos.
Segundo o estudo, famílias com menor poder aquisitivo são as que mais recorrem a essas práticas, transformando o cultivo urbano em um instrumento de autonomia alimentar. Muitas vezes, as plantas vêm de trocas entre vizinhos, doação de mudas ou do resgate de espécies tradicionais que cresceram nas casas dos avós.
Mas os pesquisadores alertam: nem todas as espécies urbanas são seguras para consumo, devido à poluição e à falta de conhecimento sobre os riscos de contaminação. É preciso educação ambiental, monitoramento e apoio técnico para que a prática seja segura e sustentável.
Um potencial para políticas públicas e adaptação climática
A conclusão dos pesquisadores é clara: o cultivo urbano precisa ser tratado como política pública, e não apenas como hobby. Incorporar hortas e pomares urbanos ao planejamento das cidades pode aumentar a resiliência climática, reduzir desigualdades e fortalecer a soberania alimentar.
Imagine praças que produzem alimento, calçadas que abrigam frutíferas nativas e escolas que ensinam crianças a plantar e colher. Esse é o tipo de transformação possível se o cultivo urbano for reconhecido como parte da infraestrutura verde das cidades.
Ribas e Silva Filho destacam ainda que a urbanização acelerada — hoje, mais de 85% dos brasileiros vivem em áreas urbanas — exige repensar a forma como o espaço público é usado. “Cidades que produzem o que consomem são mais sustentáveis e menos vulneráveis”, afirmam.
Do bairro à COP30: o verde urbano como pauta climática
O debate sobre o cultivo urbano ganha ainda mais força às vésperas da COP30, que será realizada em Belém do Pará. Em um país onde o desmatamento e a insegurança alimentar caminham lado a lado, repensar as cidades como espaços de produção de vida — e não apenas de consumo — pode ser uma das chaves para cumprir os compromissos climáticos assumidos pelo Brasil.
A agricultura urbana conecta diretamente dois dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU: o ODS 2 (Fome Zero e Agricultura Sustentável) e o ODS 11 (Cidades e Comunidades Sustentáveis). Ela propõe uma nova forma de enxergar o território urbano — como um ecossistema capaz de produzir alimento, regenerar o clima e promover bem-estar social.
O estudo da Esalq/USP é mais do que um alerta científico — é um convite para ação. Um chamado para que prefeituras, universidades e a sociedade civil compreendam que plantar é planejar o futuro. Cidades mais verdes e comestíveis podem ser a ponte entre o que somos e o que precisamos nos tornar: comunidades resilientes, solidárias e em equilíbrio com a natureza.
Em tempos de crise climática e insegurança alimentar, o cultivo urbano de plantas se mostra como uma das soluções mais simples — e mais poderosas — que podemos cultivar juntos.
Fontes: Viletim; Jornal da USP.
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