‘Cabo de guerra’ entre IBAMA e órgãos estaduais continua a gerar transtornos para o setor florestal do Brasil

O setor madeireiro brasileiro, especialmente nos estados do Pará e Mato Grosso, vive um impasse que ameaça suas operações e exportações: a falta de integração efetiva entre os sistemas estaduais de controle florestal e o Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor), gerido pelo IBAMA.

Apesar de anos de negociações e decisões judiciais, o “cabo de guerra” entre o governo federal e as secretarias estaduais de Meio Ambiente ainda não teve um desfecho prático. A recente intensificação da crise culminou em ofícios do IBAMA informando que passaria a indeferir solicitações de LPCO (Licenças de Produtos de Comércio Exterior) e autorizações CITES de exportação para madeiras provenientes de AUTEFs (Autorizações de Exploração Florestal) e AUTEXs (Autorizações de Transporte e Exportação) não devidamente integradas ao Sinaflor.

Entenda o que está em jogo: o papel do Sinaflor e dos sistemas estaduais

O Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor) foi criado em 2014, pela Instrução Normativa n° 21, de 24 de dezembro de 2014, em observância dos arts. 35 e 36 da Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, com o objetivo de integrar informações sobre a origem da madeira, do carvão e de outros produtos florestais, além de controlar a emissão de autorizações para a exploração, transporte e comercialização desses produtos. O Sinaflor é gerenciado pelo IBAMA e conectado ao Cadastro Ambiental Rural (CAR), permitindo o rastreamento da cadeia produtiva e fortalecendo o combate ao desmatamento ilegal.

Entretanto, alguns estados da Amazônia Legal, como Pará e Mato Grosso, optaram por desenvolver sistemas próprios: o Sisflora 2.0 (Pará) e o Sisflora MT (Mato Grosso). A principal alegação era a necessidade de adaptar o controle florestal à realidade local, oferecendo mais autonomia, rapidez na emissão de documentos e integração com outros sistemas estaduais de gestão ambiental e fundiária. Caso a integração dos sistemas não seja concluida, os produtores destes dois estados serão os mais afetados.

A principal diferença está na integração de dados: enquanto o Sinaflor exige um controle nacional unificado, auditorias do IBAMA apontaram que os sistemas estaduais muitas vezes apresentam falhas de sincronização, informações incompletas ou atualizações não automáticas. Essa falta de interoperabilidade dificulta a fiscalização federal e compromete a confiança internacional na legalidade dos produtos florestais brasileiros.

Por isso, decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) determinaram que os estados só poderão continuar usando sistemas próprios se garantirem plena integração e sincronização de dados com o Sinaflor, sob pena de invalidação dos documentos emitidos.

Confira o Infográfico com a Linha do tempo que desencadeou a crise atual do setor florestal


Resumo da nova decisão (28 de abril)

    • Estados poderão manter seus sistemas próprios (como Sisflora 2.0 e Sisflora MT), mas só se plenamente integrados ao Sinaflor, por meio de APIs que garantam sincronização completa de dados.

    • O Ministro Flávio Dino também modulou sua decisão anterior, admitindo agora que licenças estaduais continuarão sendo aceitas, desde que haja plena integração técnica com o Sinaflor.
    • Autorização de supressão de vegetação (ASV) sem integração válida será considerada nula.

    • A decisão reafirma que a exigência de integração não viola a autonomia federativa, mas é uma obrigação vinculante para o fortalecimento do controle ambiental nacional​.

Representantes do Setor Florestal entraram em ação

Diante da exigência de plena integração dos sistemas estaduais ao Sinaflor, representantes do setor florestal se reuniram com o IBAMA para pedir mais prazo para os estados se adequarem. Segundo Frank Rogieri, presidente do Fórum Nacional de Atividades de Base Florestal (FNBF), a medida cumpre decisão do ministro Flávio Dino, do STF, que restringe a emissão de Autorizações de Supressão de Vegetação (ASVs) apenas a sistemas integrados ao Sinaflor.

Frank Rogieri é presidente do Fórum Nacional de Atividades de Base Florestal

O problema é que o manejo florestal, está sendo tratado como desmate. É um impacto completamente diferente. O texto ficou fora de contexto, para ter aqui um trocadilho. […] Então, a superintendência do IBAMA entendeu a dificuldade, sabe que precisamos avançar com os manejos florestais, que é uma forma de manter as florestas em pé”, afirmou Rogieri em entrevista exclusiva para o Florestal Brasil.

A decisão gerou uma onda de indeferimentos de LPCOs, surpreendendo o setor.

Para nós foi uma surpresa, porque a gente vem conversando sobre isso há mais de ano e tínhamos plena consciência de que essa integração tinha sido sanada. Tanto é que vinham sendo emitidas todas as LPCOs.”, explicou

Em reunião com Lívia Karina, Diretoria de Uso Sustentável da Biodiversidade e Florestas – DBFlo do IBAMA foi solicitada uma prorrogação para que os estados possam se ajustar.

Veio uma enxurrada, um verdadeiro festival de negativas, de indeferimento dos nossos processo. Pedimos ao IBAMA que dê um prazo aos estados, para que os estados possam se regularizar, porque isso é uma matéria que foge da mão do empresário”, disse Rogieri.

A superintendente se mostrou receptiva, sugerindo que as secretarias de meio ambiente de cada estado formalizem os pedidos de extensão de prazos.

A nova decisão do STF flexibilizou a regra anterior, permitindo que os estados emitam licenças desde que haja plena integração com o Sinaflor, mas não abriu mão da integração total entre os sistemas. Rogieri informou que uma força-tarefa já está em andamento com as SEMAS de Pará e Mato Grosso para regularizar a situação.

Impacto direto para o setor madeireiro

A decisão de barrar LPCOs e CITES pegou empresas exportadoras de madeira de surpresa. E por isso entidades como a Associação das Indústrias Exportadoras de Madeira do Estado do Pará (AIMEX), o Centro das Indústrias Produtoras e Exportadoras de Madeira do Estado de Mato Grosso (CIPEM) e a Federação Nacional das Indústrias de Base Florestal (FNBF) rapidamente mobilizaram-se para tentar intermediar soluções.

Extração de madeira no AC se concentra em áreas privadas e está 100% autorizada, aponta estudo — Foto: Paulo Roberto Parente/Arquivo pessoal
Foto: Paulo Roberto Parente/Arquivo pessoal

O problema se agrava porque grande parte da madeira legal exportada do Brasil, especialmente dos estados do Pará e Mato Grosso — líderes nacionais em volume de exportação — depende das emissões dessas autorizações estaduais. A paralisia impacta diretamente as exportações para mercados estratégicos como União Europeia, Estados Unidos e China.

A burocracia do licenciamento e a recente inclusão do Ipê e do Cumaru na lista de espécies protegidas pela Convenção Cites, que exige licenças adicionais para exportaçãoque tem causado prejuízos financeiros, perda de contratos e fechamento de indústrias. Nos dois primeiros meses de 2024, o setor madeireiro, por exemplo, registrou uma queda de quase 40% em comparação com o mesmo período do ano passado. A exportação de madeira paraense, um dos principais produtos do estado, caiu de US$ 34.890.730 para US$ 21.434.521 entre os dois primeiros meses de 2024, representando uma queda de aproximadamente 38,57%.  Os dados são da Associação das Indústrias Exportadoras de Madeira do Pará (Aimex).

A tensão entre federalismo e governança ambiental

O conflito evidencia o desafio estrutural do chamado federalismo cooperativo no Brasil. Enquanto o IBAMA exige integração total como instrumento de controle contra o desmatamento e exploração ilegal, estados como Pará e Mato Grosso alegam que seus sistemas locais são mais adaptados às realidades regionais e já cumprem as exigências técnicas, ainda que faltem garantias auditáveis em tempo real​.

Por outro lado, o STF reforçou que a fragmentação de sistemas compromete a capacidade de fiscalização nacional e prejudica o cumprimento dos compromissos ambientais assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris​.

O que está por vir

Até o momento, não há prazo final definitivo para que a integração plena seja concluída, embora decisões recentes indiquem que a paciência das autoridades federais está se esgotando. A tendência é que o IBAMA continue indeferindo LPCOs e CITES até que as secretarias estaduais implementem soluções técnicas satisfatórias.

O setor florestal, responsável por bilhões de reais em exportações e milhares de empregos, segue no meio desse embate, sem uma solução clara à vista. Enquanto isso, as perdas econômicas e a insegurança jurídica só aumentam.

Fontes: Supremo Tribunal Federal / Supremo Tribunal Federal / Agência Brasil / Aimex


Descubra mais sobre Florestal Brasil

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.

Comenta ai o que você achou disso...