A COP é aqui fora: justiça climática começa nos territórios

Povos tradicionais e movimentos sociais preparam uma Cúpula paralela em Belém para denunciar o apagamento de seus saberes e propor soluções reais à crise climática.

Há uma revolução silenciosa em curso na Amazônia. Não é conduzida por corporações vestidas de verde nem tem um espaço cativo em veículos da imprensa hegemônica. É articulada por vozes plurais, enraizadas em territórios que resistem há séculos. Comunidades quilombolas, indígenas, ribeirinhas, camponesas, juventudes periféricas e organizações populares estão ocupando o centro do debate climático por seus próprios meios, sem esperar convite para entrar pela porta da frente da COP30, em Belém (PA).

Essa será uma conferência climática diferente de todas as anteriores. Pela primeira vez, acontece em uma região estratégica para o equilíbrio do planeta – a Amazônia – e num país com tradição de mobilização social. Ao invés de ficarem à margem dos salões refrigerados, esses povos estão organizando seus próprios espaços: entre eles, a Cúpula dos Povos, que reunirá mais de 700 organizações de todo o mundo entre os dias 12 e 16 de novembro, na capital paraense.

Essa iniciativa não é apenas um ato de denúncia. É um projeto político, coletivo e estruturado. Em vez de fóruns capturados pelo lobby corporativo e acordos que falham em proteger a biodiversidade e as populações que dela cuidam, a Cúpula propõe um pacto pela vida – com base em justiça climática, economia popular, soberania dos territórios e pluralidade cultural. Como diz um trecho da carta política que orienta o evento: “Não há transição justa sem os saberes e as práticas dos povos que mantêm a floresta em pé.”

A realização da Cúpula em paralelo à COP escancara um desconforto antigo: as conferências climáticas seguem dando as costas a quem de fato cuida dos bens comuns da humanidade. Na COP29, no Azerbaijão, países ricos apresentaram metas tímidas de financiamento climático e tentaram empurrar empréstimos a países já endividados, sob o rótulo de “apoio”. Resultado: desconfiança, frustração e mais uma rodada de decisões distantes da realidade dos territórios.

A Cúpula dos Povos nasce como resposta. E nasce grande. Estão previstas plenárias, feiras da sociobiodiversidade, cozinhas agroecológicas, encontros intergeracionais e até uma “barqueata” nos rios de Belém. Tudo com o objetivo de afirmar o que governos ainda custam a reconhecer: não existe solução climática real sem a presença ativa, protegida e valorizada dos povos tradicionais.

Ao trazer eixos como territórios vivos, transição justa, combate ao racismo ambiental, cidades periféricas e feminismo popular, a Cúpula assume o papel que as COPs evitam. Não basta medir emissões de carbono. É preciso discutir quem está morrendo por causa delas – e quem lucra com os modelos que as produzem.

O Brasil, como anfitrião da COP30, tem diante de si uma oportunidade histórica. Mas só exercerá liderança se ouvir e incluir quem conhece a floresta não por satélites, mas por trilhas, canoas e memória ancestral. Isso exige, antes de tudo, reconhecimento político.

A invisibilidade não é neutra – é uma forma de violência. E por isso a Cúpula dos Povos é mais do que um evento paralelo. É um movimento de reapropriação do futuro por quem sempre esteve à margem do centro decisório global. Se a COP30 quiser fazer história, ela não pode ignorar quem carrega a história nas costas e nos pés.

A Amazônia está falando. Não pelos megafones oficiais, mas pelas vozes que sobem das margens e ecoam com sabedoria. A floresta já está no debate climático. Resta saber se o mundo está pronto para ouvi-la.

Com informações da assessoria de imprensa da Cúpula dos Povos.

Elias Serejo é jornalista especializado em cobertura socioambiental e atua há mais de 30 anos na imprensa brasileira. Mestre e doutor em Comunicação, é colunista do portal Florestal Brasil.


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