No Brasil, existem dez espécies de felinos silvestres, das quais seis são classificadas como vulneráveis e uma está em perigo de extinção, segundo a lista oficial de 2022. A principal ameaça a esses felinos é a perda e fragmentação de seus habitats naturais, além da caça retaliatória, que ocorre quando proprietários rurais têm seus rebanhos atacados. Por isso, compreender os fatores que influenciam a distribuição dessas espécies é crucial para o planejamento de estratégias de conservação na Mata Atlântica.
Foi com esse objetivo que pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro, da USP e de outros institutos realizaram um estudo. Eles examinaram subáreas da Mata Atlântica e descobriram que apenas 30% do bioma remanescente é adequado para os felinos, levando em consideração aspectos do clima e da paisagem.
“Nosso objetivo foi modelar a distribuição potencial de sete espécies e prever quais regiões têm maior adequabilidade para a presença de felinos. Além disso, avaliamos o quanto dessas áreas adequadas estão sendo protegidas por Unidades de Conservação de Proteção Integral (UCPIs)”, explica Paula Ribeiro-Souza, doutoranda da UFSCar e primeira autora do artigo “Under pressure: suitable areas for neotropical cats within an under protected biodiversity hotspot“, junto com o pesquisador Júlio Haji, da Unesp.
Na Mata Atlântica, as árvores estão migrando para fugir do calor | Florestal Brasil
O estudo utilizou o Modelo de Distribuição de Espécies, uma ferramenta que ajuda a prever onde uma espécie pode ser encontrada com base em condições ambientais. Os pesquisadores coletaram dados de ocorrência das espécies e analisaram características como vegetação e clima para criar um modelo que identifica possíveis habitats.
Sete espécies de felinos da Mata Atlântica foram selecionadas para a modelagem: a onça-pintada, a onça-parda, o jaguarundi, a jaguatirica, o gato-maracajá, o gato-do-mato-pequeno e o gato-do-mato-do-leste. De acordo com os pesquisadores, esses mamíferos são essenciais para a manutenção do ecossistema da Mata Atlântica.
Para gerar os modelos de áreas potenciais de distribuição, foram utilizados mais de 5 mil registros de ocorrência das espécies, datados a partir dos anos 2000. Além disso, variáveis de clima e paisagem, como cobertura florestal, densidade populacional, quantidade de água e rugosidade do terreno, foram consideradas com base em análises estatísticas e na ecologia das espécies.
“Extraímos informações de clima e paisagem dos locais onde as espécies foram registradas e, usando algoritmos matemáticos, projetamos no mapa regiões com características similares”, diz Paula.
Para identificar áreas com condições climáticas e de paisagem adequadas para cada espécie e para a diversidade de felinos, foi realizada a análise EcoLand. Segundo Paula, essa abordagem permitiu definir medidas de mitigação e conservação específicas para cada região. A análise revelou que apenas 30% das áreas restantes da Mata Atlântica são altamente adequadas para as espécies de felinos estudadas. O gato-do-mato-do-leste apresentou a menor porcentagem de áreas adequadas cobertas por UCPIs (1,37%), seguido pela onça-pintada (1,97%) e pela jaguatirica (3,85%).
Entre as sub-regiões da Mata Atlântica, a Serra do Mar (do litoral do Espírito Santo até o Rio Grande do Sul) apresentou a maior concentração de áreas altamente adequadas para os felinos. A sub-região Araucária, que inclui o Parque Nacional Iguaçu, ficou em segundo lugar.
O estudo também revelou que apenas 9% das áreas altamente adequadas estão protegidas por unidades de conservação, destacando a necessidade urgente de conservação na Serra do Mar e na fronteira entre Brasil e Argentina.
“Os felinos precisam de habitats fora das unidades de conservação. Para garantir a coexistência dessas espécies com os humanos, é crucial pensar na conservação das áreas adequadas de habitat também fora das áreas protegidas, pois os agroecossistemas que compõem a Mata Atlântica têm um papel fundamental na conectividade e na manutenção das populações de felinos selvagens”, afirma Júlia Emi de Faria Oshima, pesquisadora do Instituto de Biociências (IB) da USP que contribuiu para a pesquisa.
Embora o estudo tenha se baseado apenas em dados de presença das espécies, ele é um passo importante para entender os habitats dos felinos e planejar medidas de conservação para diferentes contextos regionais. “Conseguimos identificar áreas prioritárias considerando o clima e a paisagem, o que permite direcionar melhor as medidas de conservação, reduzindo tempo e custos”, diz Paula Ribeiro-Souza.
Mesmo áreas que apresentem apenas um dos critérios de adequabilidade, seja de clima ou de paisagem, são relevantes para as espécies estudadas, especialmente frente às mudanças promovidas por medidas de conservação. Áreas que hoje são adequadas em termos de paisagem, por exemplo, podem se tornar altamente adequadas devido a mudanças climáticas, e vice-versa. Portanto, é fundamental que essas áreas sejam protegidas e monitoradas.
As pesquisadoras também destacam que grandes distâncias muitas vezes separam áreas consideradas adequadas, o que pode dificultar a dispersão das espécies e o fluxo gênico entre elas. Promover a conectividade entre essas áreas por meio de técnicas de restauração e criação de corredores ecológicos é uma medida importante para a conservação dos felinos.
Fonte: Jornal da USP
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