O clima da Amazônia está mudando rapidamente devido à combinação entre desmatamento e aquecimento global. Um estudo publicado na Nature Communications aponta que 75% da redução de chuvas na estação seca é causada pela perda de florestas, enquanto o aumento das temperaturas está fortemente ligado às mudanças climáticas globais. As conclusões reforçam a urgência de conter o desmatamento e reduzir emissões de gases de efeito estufa na maior floresta tropical do planeta.

Segundo o trabalho, o desflorestamento é a alteração que mais reduz a pluviosidade na Amazônia enquanto o aquecimento planetário, alimentado pela emissão de gases de efeito estufa, é a causa que mais contribui para a alta dos termômetros. “Desenvolvemos uma modelagem estatística que nos permitiu discriminar quanto do aumento da temperatura máxima e da redução de chuvas na Amazônia se deve ao desmatamento regional e quanto é induzido pelo aquecimento global na estação seca”, diz o físico Marco Franco, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), autor principal do artigo.
Ambos os fenômenos afetam as temperaturas e as chuvas na Amazônia durante todo o ano, mas nas equações concebidas pelos pesquisadores essa influência é mais acentuada e visível nos três meses de maior estiagem. “Por isso, focamos nosso trabalho especificamente no período mais seco.” Em diferentes setores da Amazônia, a estação seca abrange uma trinca de meses distinta. Em alguns, é de junho a agosto. Em outros, de julho a setembro.
Palmeiras da Amazônia: as “caixas d’água” da floresta tropical
De acordo com o artigo, entre 1985 e 2020 houve uma redução média de 21 milímetros (mm) na precipitação na estação seca da Amazônia. A derrubada de florestas foi responsável por 74,5% dessa queda (15,8 mm) e as mudanças climáticas globais por 25,5% (5,2 mm). Na questão das temperaturas máximas, o peso dos dois fenômenos é exatamente o oposto. Dos 2 graus Celsius (ºC) de aumento médio da temperatura máxima durante esse período de 35 anos, o trabalho atribui 83,5% dessa elevação (1,67 ºC) ao aquecimento global e 16,5% à supressão de vegetação (0,33 ºC).
Entre o primeiro e o último ano considerados pelo trabalho, a área de vegetação suprimida na Amazônia Legal dobrou: subiu de 10,9% do total em 1985 para 21,3% em 2020. Nesse mesmo intervalo, a concentração atmosférica de dióxido de carbono (CO2), o principal gás de efeito estufa, fenômeno que é o motor das mudanças climáticas globais, aumentou em aproximadamente 20%.
É esperado que o avanço do desmatamento reduza a pluviosidade e eleve as temperaturas na Amazônia. A floresta tropical emite gases que são importantes para o processo de formação dos núcleos de condensação na atmosfera, as sementes das nuvens que geram chuvas (ver Pesquisa FAPESP nº 285). Por isso, é comum os estudiosos do clima dizerem que a Amazônia produz a sua própria chuva, além de parte da umidade transportada para outras regiões do país.
Também é bem conhecido o efeito de aquecimento que a supressão de vegetação provoca em áreas que perderam cobertura vegetal. “A contribuição do trabalho é ter desenvolvido uma abordagem que possibilitou separar os efeitos do desmatamento, uma alteração regional, dos impactos das mudanças climáticas, um fenômeno global”, comenta o meteorologista Luiz Augusto Machado, do Instituto de Física (IF) da USP, coordenador da equipe que fez o estudo.
21 mm de chuvas deixaram de cair todo ano na Amazônia na estação seca entre 1985 e 2020 em razão do desmatamento
A diminuição no volume de chuvas na estação seca pode parecer pequena, ainda mais em uma região como a Amazônia, onde o total da pluviosidade anual frequentemente passa de 2 mil mm. “Por ocorrer na estação mais seca, quando a floresta fica mais fragilizada com o estresse hídrico, essa diminuição de 21 mm nas chuvas, embora pequena em termos absolutos, tem grande impacto sobre a região”, comenta Machado. Uma redução desse nível durante os meses mais úmidos não teria maiores consequências e passaria quase despercebida.
Os valores destacados no artigo são uma média para os meses de maior estiagem na Amazônia Legal, que abarca todo o bioma da floresta amazônica e setores do Cerrado e do Pantanal. A região é enorme, com cerca de 5,2 milhões de quilômetros quadrados (km2), que correspondem a 59% do território brasileiro. Para calcular os impactos do desmatamento e das mudanças climáticas globais sobre essa imensidão de terra, o artigo dividiu a Amazônia Legal em 29 segmentos de floresta menores, de aproximadamente 90 mil km2. As análises foram feitas em cada um desses segmentos, que cobrem cerca de metade da área da Amazônia Legal, e também para a região como um todo.
Nas porções com mais área desmatada (quase 30% da floresta foi removida nesses trechos), a redução de chuvas ao longo dos 35 anos chegou a 50 mm na estação seca, mais do que o dobro da verificada em toda a região. “Nessa estação, entra menos água do oceano Atlântico na Amazônia e a floresta preservada assume um papel ainda mais importante para gerar chuva do que nos meses mais úmidos”, observa a bioquímica Luciana Gatti, coordenadora do Laboratório de Gases de Efeito Estufa (LaGEE), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que não participou do novo estudo.
O artigo empregou dados sobre o desmatamento fornecidos pelo MapBiomas, iniciativa da sociedade civil que atua como uma rede colaborativa de mais de 70 organizações não governamentais (ONG), universidades e startups de tecnologia. “Contribuímos com a série histórica de mapas anuais sobre a cobertura e o uso da terra da Amazônia”, explica a ecóloga Julia Shimbo, coordenadora científica do MapBiomas, também coautora do artigo.
Os autores principais do estudo preferiram trabalhar com os dados do MapBiomas em vez de usar as informações do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), do Inpe, que fornece a taxa oficial de desflorestamento divulgada anualmente pelo governo brasileiro. A maior resolução espacial do MapBiomas, que é capaz de observar cortes na vegetação em áreas de até 30 metros, pesou nessa escolha. O padrão de pluviosidade na Amazônia adotado no trabalho foi obtido a partir da dados de múltiplos satélites da Missão Global de Medição de Precipitação (GMP).
Outra conclusão interessante do estudo foi que o clima da floresta tropical não responde de forma linear à perda de vegetação nativa. No início do processo de desflorestamento, quando a quantidade de vegetação original suprimida se situa entre 10% e 40% do total, os impactos climáticos dessa alteração aparecem mais rapidamente. “Ainda estamos dentro dessa faixa inicial de desmatamento quando olhamos para a situação atual da Amazônia como um todo”, diz Franco.
No artigo, os autores ainda projetam como deverá ser o clima na Amazônia em meados da próxima década. Se o ritmo de desmatamento da floresta tropical se mantiver constante por mais 10 anos, o aumento da temperatura máxima na estação seca chegará a 2,64 oC e a redução de chuvas a 28,3 mm em 2035, sempre em relação aos valores de base de 1985.
A reportagem acima foi publicada com o título “Sufoco duplo” na edição impressa nº 356, de outubro de 2025.
Projeto
Centro de Pesquisa e Inovação de Gases de Efeito Estufa – RCG2I (nº 20/15230-5); Modalidade Centros de Pesquisa em Engenharia (CPE); Convênio/Acordo BG E&P Brasil (Grupo Shell); Pesquisador responsável Julio Romano Meneghini (USP); Investimento R$ 25.376.639,63.
Artigo científico
FRANCO, M. A. et al. How climate change and deforestation interact in the transformation of the Amazon rainforest. Nature Communications. 2 set. 2025.
Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.
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