Uma pesquisa de doutorado em geografia, conduzida no Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, revela mudanças preocupantes na paisagem do sul do Maranhão ao longo das últimas três décadas. O estudo, que analisou dados geoespaciais dos últimos 30 anos e projetou cenários para os próximos dez, destaca o avanço acelerado da agropecuária em uma região crucial do Cerrado. Esse bioma, essencial para a biodiversidade e a regulação hídrica no Brasil, enfrenta um processo intensificado de desmatamento.
“A projeção é que, até 2030, o Cerrado no sul do Maranhão, especialmente nas áreas de campo e savana, sofra uma redução de cerca de 19% se as tendências atuais continuarem”, alerta Paulo Roberto Pereira, autor da pesquisa.
Para alcançar esses resultados, Pereira utilizou técnicas de geoprocessamento, imagens de satélite da série Landsat e algoritmos de previsão de cenários. “Quando comecei a pesquisa, havia poucos estudos abrangentes sobre o desmatamento na região; a maioria era produzida pela Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária] ou restrita a análises locais. Faltava uma visão regional mais ampla sobre essas mudanças”, explica Pereira. Segundo a pesquisa, entre 1990 e 2020, aproximadamente 1,2 milhão de hectares de Cerrado foram convertidos principalmente em áreas de pastagem e agricultura – 73% da perda concentrou-se nas áreas de savana.
Além da análise de dados, Pereira realizou trabalhos de campo para validar e ajustar as classificações feitas com algoritmos de aprendizado de máquina. Édson Luis Bolfe, orientador do doutorado e pesquisador na Embrapa, destaca a relevância dessa abordagem integrada: “As informações de campo são fundamentais para aprimorar a precisão do mapeamento. Com o apoio das imagens de satélite, conseguimos uma análise mais detalhada em menos tempo.”
Embora grande parte da área analisada ainda preserve características naturais, o ritmo acelerado das mudanças nos últimos anos é motivo de preocupação, conforme aponta o pesquisador. A maior parte da perda de vegetação natural ocorreu entre 2010 e 2020, indicando um aumento na taxa de desmatamento. Dados do Relatório Anual do Desmatamento no Brasil, divulgado em 2024 pelo MapBiomas – uma rede de monitoramento composta por universidades, ONGs, laboratórios e startups – confirmam esses achados: enquanto o desmatamento na Amazônia diminuiu 62,2% em 2023, no Cerrado o índice aumentou 67,7% no mesmo período.
Conhecido como a “caixa d’água do Brasil,” o Cerrado desempenha um papel vital na recarga de aquíferos e no abastecimento de importantes rios. O estudo vai além de apenas quantificar a perda de vegetação, demonstrando os impactos do desmatamento sobre a biodiversidade, o regime de chuvas e o clima de diversas regiões. “Alguns dos principais rios do Maranhão têm suas nascentes no Cerrado, especialmente no sul do Estado, onde a vegetação natural vem sendo rapidamente removida”, alerta o pesquisador.
Para Édson Luis Bolfe, a pesquisa de Pereira é relevante tanto economicamente quanto ambientalmente. “Essa é uma região estratégica do ponto de vista social e econômico, já que a agropecuária, com culturas como soja, milho e algodão, representa cerca de 20% da produção agrícola do Estado”, afirma. “Por outro lado, possui grande importância ambiental, com rica biodiversidade e recursos hídricos essenciais. Precisamos de estudos detalhados para compreender o potencial agropecuário e, ao mesmo tempo, preservar as áreas naturais.”
Bolfe destaca duas contribuições principais da tese. “A metodologia une técnicas avançadas de classificação digital de imagens, algoritmos de aprendizado de máquina e modelagem para analisar passado e presente, além de projetar cenários futuros”, explica. A segunda contribuição é o entendimento aprofundado da dinâmica regional, oferecendo insights valiosos para embasar políticas públicas locais sobre mudanças no uso do solo.
Desafios legais
A pesquisa também explora o cenário legislativo, destacando a menor proteção dada ao Cerrado em comparação com a Amazônia. Propostas para alterar o Código Florestal de 2012, que poderiam classificar áreas campestres como antropizadas – ou seja, modificadas pela ação humana – são vistas com preocupação. “Considerar essas áreas como antropizadas seria um retrocesso na proteção do Cerrado”, alerta o pesquisador, agora doutor.
Por outro lado, Pereira vê potencial em políticas como o Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas, que poderiam ajudar a desacelerar a perda de vegetação nativa. “Se conseguirmos recuperar áreas degradadas e aproveitá-las eficientemente para a agricultura, é possível reduzir a taxa de desmatamento na região.”
Os achados da pesquisa abrem caminho para estudos complementares. Pereira planeja aprofundar a análise, investigando a fragilidade do ecossistema a partir de uma perspectiva geoecológica. “Pretendemos examinar como a região responde às mudanças, avaliando a resiliência de diferentes tipos de vegetação frente às perturbações”, explica.
Outra linha de investigação seria medir os impactos do desmatamento sobre a biodiversidade e a disponibilidade de recursos hídricos. Com o crescimento do agronegócio no sul do Maranhão, Pereira argumenta que dados científicos como os obtidos em sua pesquisa devem embasar políticas públicas e práticas agrícolas mais sustentáveis, promovendo um equilíbrio entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental.
Fonte: Jornal da Unicamp
Descubra mais sobre Florestal Brasil
Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.