Em julho deste ano, no Congresso Botânico Internacional em Madri, cientistas de plantas decidiram alterar o nome científico de cerca de 200 espécies vegetais, substituindo “caffra” por “affra”. Embora tenham justificado a mudança como uma correção de erro de grafia, a maioria dos votantes sabia que “caffra” não era, de fato, um erro.

Por séculos, “caffra” foi usado em nomes científicos para indicar plantas originárias da África. Contudo, essa palavra é uma forma latinizada de “Kaffir”, um termo agora considerado um insulto racial gravemente ofensivo contra africanos negros, especialmente no sul do continente. Botânicos da região se opuseram ao uso desse termo para designar plantas africanas. Na África do Sul, o uso da palavra pode resultar em multa ou até prisão.
“Devemos a nós mesmos fazer as pazes reconhecendo os erros cometidos por gerações passadas”, disse Nigel Barker, botânico da Universidade de Pretória, que cresceu na África do Sul durante o apartheid. Ele observou que muitos nomes oficiais ligados a essa era já foram abandonados no país.
Os debates sobre nomenclatura têm se tornado cada vez mais comuns na ciência. Entomologistas, por exemplo, deixaram de usar os nomes comuns “mariposa cigana” e “formiga cigana” por serem considerados pejorativos para o povo romani.
Alguns pesquisadores argumentam que nomes que homenageiam racistas e colonizadores são ofensivos, o que levou a Sociedade Ornitológica Americana a decidir mudar os nomes comuns de espécies de pássaros que homenageavam essas figuras. Recentemente, a NYC Audubon também foi renomeada para NYC Bird Alliance.
No entanto, a mudança para “affra” representa um caso distinto, pois altera os nomes científicos oficiais de centenas de espécies. Cientistas geralmente evitam mudanças na nomenclatura científica, visto que uma nomenclatura estável é crucial para a comunicação precisa entre pesquisadores ao redor do mundo. Normalmente, os nomes só são alterados quando há evidências genéticas indicando que a espécie foi nomeada incorretamente.
Quando preocupações semelhantes surgiram no ano passado sobre espécies animais nomeadas em homenagem a Adolf Hitler (Rochlingia hitleri, um besouro) e Benito Mussolini (Hypopta mussolinii, uma mariposa), a Comissão Internacional de Nomenclatura Zoológica recusou-se a mudar seus nomes científicos.
A decisão de renomear todas as espécies com “caffra” marca “a primeira vez que a comunidade botânica rejeitou um nome não por motivos científicos, mas por razões políticas”, afirmou Dirk Albach, editor-chefe da revista científica *Taxon*.
A proposta foi aprovada por 351 votos contra 205, mas críticos alertam que isso pode estabelecer um precedente perigoso.
Sergei Mosyakin, presidente da Sociedade Botânica Ucraniana, destacou que existem milhares de nomes de plantas que podem ser considerados ofensivos por alguns grupos. Ele citou exemplos como “niger” (que significa preto em latim) e termos derivados de “Hottentot” (um termo ofensivo para o povo Khoekhoe da África do Sul).
“Já existem pedidos para eliminar qualquer nome com Hottentot, e isso é apenas o começo”, disse Mosyakin.
Fred Barrie, botânico do Museu Field em Chicago e membro do comitê editorial do Código Internacional de Nomenclatura para Algas, Fungos e Plantas, concorda que a estabilidade é essencial na nomenclatura botânica e adverte que mudar os nomes de milhares de espécies pode se tornar “um pesadelo impraticável”. No entanto, ele acredita que o caso “caffra” seja uma exceção e que não haverá uma corrida para mudar outros nomes em breve.
Por outro lado, Timothy Hammer, botânico da Universidade de Adelaide, na Austrália, que coautorizou uma proposta para rejeitar todos os nomes ofensivos de plantas, planeja pressionar a questão no próximo congresso botânico em seis anos. Após o resultado deste ano, ele está confiante de que outros nomes de espécies considerados ofensivos por alguns cientistas serão alterados no futuro.
Um exemplo é o gênero *Hibbertia*, nomeado em homenagem a George Hibbert, um comerciante inglês que escravizava pessoas. Hammer considera insensível continuar homenageando figuras como Hibbert. “Por que é aceitável manter esses nomes históricos pejorativos?”, questionou.
Hammer também argumenta que as preocupações sobre confusão na nomenclatura são exageradas. Muitos nomes já foram e serão alterados por razões científicas, ele disse, e o número de mudanças para remover nomes culturalmente insensíveis —e a disrupção causada por elas— seria relativamente pequeno.
Para Barker, o movimento para eliminar nomes científicos ofensivos ganhará mais força entre cientistas de países afetados pelo colonialismo. “É uma questão real para muitos que têm uma história de repressão.”
Embora os nomes de plantas existentes possam ou não ser alterados após o próximo congresso botânico, a maioria dos votantes na reunião deste ano concordou que, a partir de 2025, nomes científicos de novas espécies de plantas poderão ser rejeitados se forem considerados pejorativos para algum grupo de pessoas.
Fonte: O Globo.
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