Boquila: a planta que ‘enxerga’ e ‘emita’ plantas até mesmo de plástico

O prêmio IgNobel, concedido a pesquisas “que fazem rir e depois pensar”, acaba de divulgar os vencedores de 2024. Entre os premiados deste ano estão estudos curiosos, como o uso de pombos para guiar mísseis, experimentos sobre a natação de trutas mortas e a descoberta de que alguns mamíferos podem respirar pelo ânus.

(doi: 10.1080/15592324.2021.1977530/Reprodução)
Um dos vencedores foi o brasileiro Felipe Yamashita, mestre em ecofisiologia pela UNESP, que desenvolveu sua pesquisa durante o doutorado na Alemanha. Ele descobriu que uma planta trepadeira possui estruturas semelhantes a olhos, usadas para imitar outras plantas ao seu redor.

Felipe estava estudando a inteligência das plantas na Universidade de Bonn quando seu orientador sugeriu que ele prestasse atenção nas mensagens de um curioso interlocutor, Jacob White, um dono de casa dos EUA sem formação científica, mas com grande interesse por plantas. White há anos trocava correspondências com o orientador de Felipe, relatando seus experimentos caseiros com a trepadeira Boquila trifoliolata.

Antes de entender as surpreendentes informações apresentadas por White, é importante conhecer melhor essa planta chilena. Nativa das florestas tropicais do Chile, a Boquila trifoliolata é única por sua habilidade de mimetizar as folhas de outras plantas, um mecanismo de defesa que a protege de herbívoros.

O que torna a boquila especial é sua capacidade de imitar diferentes folhas em uma única videira, um fenômeno conhecido como polimorfismo mimético. Conforme a planta se estende até outras espécies, as folhas mudam de formato, acompanhando as características da planta vizinha.

Essa habilidade de camuflagem é tão eficiente que levou mais de 200 anos para ser notada. Foi o botânico Ernesto Gianoli, da Universidade de La Serena, no Chile, quem percebeu que o que parecia ser um galho estranho de uma árvore era, na verdade, a boquila imitando a planta ao lado.

Em 2014, Gianoli publicou suas descobertas, descrevendo como a trepadeira pode imitar o tamanho, a forma e a cor das folhas de mais de 20 espécies diferentes, embora o mecanismo exato por trás desse mimetismo ainda seja um mistério.

Inicialmente, o pesquisador especulou que as trepadeiras poderiam captar algo das plantas ao redor, como moléculas químicas voláteis ou até material genético, orientando o crescimento de suas folhas. Mais recentemente, ele passou a sugerir que a microbiota – as bactérias que habitam tanto a trepadeira quanto a planta imitada – poderia estar envolvida no processo de mimetismo.

Na imagem mencionada, as folhas marcadas por setas amarelas são todas da Boquila, cada uma imitando uma espécie diferente. Na imagem H, aparece uma Boquila autêntica, sem imitar outra planta.

(Ernesto Gianoli/Trends in Plant Science/Reprodução)

Ao ler sobre essa pesquisa, Jacob White ficou intrigado. Ele lembrou de um texto que havia lido, escrito por um professor da Universidade de Bonn, que discutia uma hipótese antiga, proposta em 1905. Na época, o botânico Gottlieb Haberlandt sugeriu que as células da superfície das folhas poderiam funcionar como olhos simples, chamados ocelos. Esses ocelos seriam capazes de detectar a intensidade e direção da luz, embora não formassem imagens.

Juntando as ideias, White decidiu testar a teoria de Haberlandt com suas próprias Boquilas, mas com um toque diferente: ele usaria plantas artificiais. Sua hipótese era que, se as trepadeiras imitassem uma planta artificial, isso significaria que elas não dependiam de sinais químicos, genéticos ou microbióticos, mas que realmente “enxergavam” suas vizinhas.

Ele realizou os experimentos em casa, colocando quatro Boquilas em uma prateleira baixa, sem outras plantas por perto. Ao subir, as trepadeiras se deparavam com uma prateleira superior onde havia uma planta artificial. Surpreendentemente, as folhas das Boquilas começaram a mudar, ficando mais pontiagudas e com padrões de canais similares aos da planta artificial.

Os resultados confirmavam a hipótese de White, mas ele não sabia como proceder com a descoberta. Foi nesse ponto que o brasileiro Felipe Yamashita entrou na história. Como doutorando em botânica e coautor do estudo, Felipe trouxe dados mais concretos e uma análise científica mais aprofundada, colaborando com White.

Concepção artística da planta Boquila. Feito com IA.

Em 2021, após revisão por outros cientistas, a pesquisa foi publicada na revista Plant Signaling & Behavior, editada pelo orientador de Felipe. A descoberta foi recebida com entusiasmo por parte da comunidade científica, especialmente por sua originalidade. No entanto, o estudo também foi alvo de muitas críticas, principalmente quanto à metodologia.

Entre os pontos questionados, não havia, por exemplo, uma planta de controle – uma Boquila que estivesse crescendo sem nada para imitar. Sem esse controle, é difícil descartar outras explicações para as mudanças nas folhas, como a alteração na incidência solar devido à altura da prateleira ou até as variações sazonais.

Gianoli, o maior especialista na espécie, viu com maus olhos o fato de não ter sido convidado para revisar o artigo. Em entrevista ao The Scientist, ele afirmou que, em sua opinião, o estudo “nunca deveria ter sido publicado”. Segundo ele, há diversos fatores de confusão que impedem a atribuição direta da mudança de formato das folhas à presença da planta de plástico.

Em entrevista ao Vox, Yamashita defendeu sua pesquisa, atribuindo as críticas ao fato de que seu trabalho desafia o que chamou de “ciência convencional”. Ele reconheceu que a teoria da visão das plantas ainda precisa de mais investigações e reforçou que a publicação foi apenas um experimento inicial.

A cerimônia de entrega do prêmio IgNobel, conhecida por seu clima descontraído e humor nerd, foi prestigiada apenas por Yamashita. Ao receber o prêmio, ele arrancou risos da plateia ao dizer: “Nossa hipótese é que essa planta, a boquila, tem algum tipo de olho e consegue ver o que está ao redor. E como ela faz isso? Nós não temos ideia.”

Em tom de brincadeira, ele continuou: “Precisamos continuar estudando essas plantas, mas para isso eu preciso de um cargo. Acabei de concluir meu doutorado e agora preciso de um emprego para seguir com essa pesquisa.”

O mistério por trás do mecanismo de imitação da boquila ainda está longe de ser desvendado. No entanto, isso não é um problema, pois a ciência avança com ideias ousadas, debates e tentativas. Uma coisa é certa: a intrigante trepadeira que imita o formato de várias outras plantas continuará despertando fascínio.

Fonte: Superinteressante


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Arthur Brasil

Engenheiro Florestal formado pela FAEF. Especialista em Adequação Ambiental de Propriedades Rurais. Contribuo para o Florestal Brasil desde o inicio junto ao Lucas Monteiro e Reure Macena. Produzo conteúdo em diferentes níveis.

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