Bolsonaro e o Meio Ambiente: O Julgamento que Ainda Falta

Entre 2019 e 2022, o Brasil registrou recordes de desmatamento, queimadas, avanço do garimpo ilegal e enfraquecimento dos órgãos ambientais. Ainda falta julgar Bolsonaro por crimes ambientais.

Durante os quatro anos de governo de Jair Bolsonaro, entre 2019 e 2022, o Brasil viveu um retrocesso histórico em sua política ambiental. Os números falam por si. O desmatamento na Amazônia Legal, medido pelo sistema PRODES do INPE, voltou a níveis alarmantes. Em 2018/2019 a taxa foi de 10.129 km², em 2019/2020 subiu para 10.851 km², em 2020/2021 alcançou 13.038 km², o pior índice em 15 anos, e em 2021/2022 fechou em 11.568 km². Esses valores colocaram o país novamente sob pressão internacional e comprometeram compromissos assumidos em acordos climáticos.

Bolsonaro crimes ambientais
Jair Messias Bolsonaro

No mesmo período, as queimadas também atingiram patamares devastadores. Em agosto de 2019 a Amazônia registrou o maior número de focos desde 2010, com repercussão global e protestos internacionais. Em 2020, o Pantanal sofreu o pior incêndio de sua história, com cerca de 30% do bioma destruído em poucos meses, algo em torno de 36 a 45 mil km² em chamas. Já em 2022 a Amazônia voltou a registrar recordes de fogo, com os meses de agosto e setembro apresentando o maior acúmulo de focos em mais de uma década.

Outro fenômeno que cresceu de forma explosiva foi o garimpo ilegal em terras indígenas e unidades de conservação. Só na Terra Indígena Yanomami, a área degradada pelo garimpo aumentou 309% entre outubro de 2018 e dezembro de 2022. No último ano de mandato, o crescimento foi de 54%. Relatórios do MapBiomas também apontam que em 2022 mais de 100 mil hectares de áreas protegidas estavam ocupadas por garimpo, um aumento de quase 200% em relação a cinco anos antes.

Ao mesmo tempo em que a devastação aumentava, a fiscalização enfraquecia. O número de autos de infração aplicados pelo Ibama caiu para o menor patamar em duas décadas. Em 2020 foram 2.334 autuações na Amazônia Legal, menos da metade da média histórica. As multas ambientais aplicadas caíram cerca de 20% em comparação com 2019. Em 2021, apenas 41% do orçamento previsto para fiscalização ambiental foi executado, enquanto em governos anteriores a execução girava entre 86% e 92%.

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A política ambiental do governo Bolsonaro foi marcada por medidas que fragilizaram a proteção ambiental. Em 2019, um decreto criou a chamada conciliação ambiental, travando a cobrança de multas aplicadas pelo Ibama e pelo ICMBio. No mesmo ano, outro decreto extinguiu centenas de colegiados e atingiu diretamente os comitês do Fundo Amazônia, que acabou paralisado, deixando parados mais de 3 bilhões de reais destinados a projetos de combate ao desmatamento. Em 2020, o Conselho da Amazônia foi transferido para a Vice-Presidência e militarizado, sem participação da sociedade civil. Também em 2020, o governo revogou resoluções do Conama que protegiam manguezais e restingas, decisão que só não prosperou porque foi derrubada pelo STF.

A própria condução política reforçava a ideia de liberar o terreno para a devastação. A emblemática frase do então ministro Ricardo Salles, durante reunião ministerial em abril de 2020, em que defendeu “ir passando a boiada” enquanto a atenção do país estava voltada à pandemia, traduz a essência do que ocorreu: um projeto de desmonte da governança ambiental, reduzindo o poder dos órgãos de fiscalização, flexibilizando regras e incentivando atividades ilegais.

Esse quadro não se limitou ao desmatamento, às queimadas e ao garimpo. O governo também bateu recordes na liberação de agrotóxicos. Entre 2019 e 2022 foram aprovados mais de 2.180 novos produtos, muitos deles classificados como altamente perigosos, ampliando riscos ambientais e à saúde da população.

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Ao analisar esses elementos em conjunto, é possível sustentar que Bolsonaro não apenas foi negligente, mas também omisso e até impulsionador da degradação ambiental. A Constituição Federal, em seu artigo 225, estabelece que todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e que o poder público tem o dever de defendê-lo e preservá-lo. O parágrafo 3º desse artigo prevê responsabilidade penal e administrativa para quem, por ação ou omissão, causar danos ao meio ambiente. A Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998) reforça essa obrigação, tipificando condutas como dificultar fiscalização, permitir destruição ou deixar de agir diante de ilícitos ambientais.

Do ponto de vista jurídico, haveria espaço para investigar e processar Bolsonaro por crimes ambientais. Na esfera penal, a acusação poderia se basear em omissão deliberada diante do avanço do desmatamento e do garimpo ilegal. Na esfera cível, caberiam ações de improbidade administrativa ambiental, visando reparação de danos. No plano internacional, já existem representações no Tribunal Penal Internacional pedindo a investigação por ecocídio.

Hoje Bolsonaro responde a julgamentos no STF por crimes contra a democracia, mas há um vácuo evidente: ainda não se buscou sua responsabilização direta pelo legado ambiental de seu governo. A devastação da Amazônia, a crise humanitária Yanomami, os incêndios recordes no Pantanal e o desmonte institucional dos órgãos ambientais não podem ficar sem resposta.

Se a democracia brasileira está em processo de reparação diante das tentativas de ruptura institucional, o mesmo deve valer para o meio ambiente. O julgamento de Bolsonaro só será completo quando também incluir sua responsabilidade pelos danos ambientais causados ao país.

Tema Fonte / Link
Desmatamento na Amazônia Legal Projeto PRODES — INPE (INPE)
Taxa 2021 (13 038 km²) Nota técnica INPE 2021 (Serviços e Informações do Brasil)
Estimativa 2022 (11 568 km²) Nota técnica INPE 2022 (Serviços e Informações do Brasil)
Crescimento 2021 (Exame) Estimativa preliminar — 13.235 km² (Exame, Amazônia em Exame)
Garimpo Yanomami (309 %) Hutukara / ISA (Somos o ISA, Instituto Socioambiental, Povos Indígenas no Brasil)
Garimpo Yanomami (54%) — 2022 UOL (UOL Notícias)
Operação Verde Brasil 2 Descrição na Wikipédia (Wikipédia)
Plataforma TerraBrasilis Portal INPE (Terra Brasilis)

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Arthur Brasil

Engenheiro Florestal formado pela FAEF. Especialista em Adequação Ambiental de Propriedades Rurais. Contribuo para o Florestal Brasil desde o inicio junto ao Lucas Monteiro e Reure Macena. Produzo conteúdo em diferentes níveis.

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