Bananas cultivadas em solo com rejeitos do desastre de Mariana apresentam níveis elevados de toxinas, aponta estudo

Estudo de universidades do Brasil e da Espanha identifica elementos tóxicos em culturas agrícolas de Linhares (ES) e aponta risco elevado para crianças no consumo de bananas cultivadas em solos contaminados pelos rejeitos da barragem de Fundão

Dez anos após o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), os impactos do desastre seguem se manifestando na produção agrícola do estuário do rio Doce, em Linhares (ES). Um estudo conduzido por pesquisadores da USP, Ufes e Universidade de Santiago de Compostela (Espanha) identificou níveis elevados de elementos potencialmente tóxicos (EPTs) em bananas, mandiocas e frutos de cacau cultivados em áreas que receberam rejeitos de mineração desde 2015. Entre os achados, o chumbo na banana se destacou como o maior fator de risco para a saúde infantil.

O distrito de Bento Rodrigues, completamente destruído pela lama Foto: Daniel Marenco/ Arquivo O Globo

O trabalho — publicado na Environmental Geochemistry and Health — resulta do doutorado de Amanda Duim (Esalq-USP) e integra uma série de pesquisas desenvolvidas desde os primeiros dias após o rompimento. A equipe monitora a presença de metais associados aos rejeitos, como cádmio, cromo, cobre, níquel e chumbo, que chegam ao solo ligados principalmente a óxidos de ferro, o principal constituinte do material despejado na bacia do rio Doce.

Como as toxinas chegam aos alimentos

Os cientistas analisaram detalhadamente a transferência dos EPTs do solo para diferentes partes das plantas. Após coletar amostras de solo e de banana, mandioca e cacau, o grupo separou raízes, caules, folhas e frutos, triturou cada componente e quantificou a concentração dos elementos tóxicos em miligramas por quilo de biomassa seca.

No caso da banana e da mandioca, a maior parte dos EPTs se acumulou nas estruturas subterrâneas — raízes e tubérculos. Já no cacau, o acúmulo foi mais intenso nas partes aéreas, como folhas e frutos. A polpa do cacau apresentou concentrações de cobre e chumbo acima dos limites estabelecidos pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

Segundo Duim, um dos diferenciais do estudo foi correlacionar diretamente o teor de óxidos de ferro no solo com o teor desses elementos nas plantas. “Estudamos a passagem dos constituintes do rejeito do solo para a água e da água para as plantas, incluindo suas partes comestíveis”, explica.

Análise de risco: crianças são mais vulneráveis

Com base nos resultados, a equipe calculou o Quociente de Risco (QR), o Índice de Risco (IR) e o Índice de Risco Total (IRT) para adultos e crianças menores de seis anos, considerando dados de consumo alimentar do IBGE, massa corporal, frequência de ingestão e tempo de exposição ao contaminante.

Para adultos, a maioria dos IRTs ficou abaixo do limite de risco (menor que 1), indicando exposição aceitável. Porém, no caso das bananas consumidas por crianças, o IRT ultrapassou o limiar de segurança. O principal fator foi a concentração de chumbo no fruto — que também apresentou teor de cádmio superior ao recomendado pela FAO.

O chumbo é especialmente perigoso para o desenvolvimento infantil. A exposição prolongada, mesmo em doses baixas, está associada a danos neurológicos irreversíveis, incluindo redução do QI, dificuldades de atenção e alterações comportamentais.


“Esses elementos existem naturalmente no ambiente, mas, quando há um aumento de exposição após um desastre, é preciso redobrar a atenção”, alerta Tamires Cherubin, coautora do estudo e doutora em ciências da saúde.

Exposição prolongada e risco cumulativo

Apesar de muitos níveis estarem abaixo dos limites imediatos para adultos, o grupo destaca a importância de considerar os efeitos cumulativos. Segundo Cherubin, dependendo da capacidade de absorção e metabolização do organismo humano, os EPTs podem gerar danos diretos e indiretos ao DNA ao longo da vida, aumentando o risco de cânceres que afetam o sistema nervoso central, o trato gastrointestinal e o sistema hematológico.

“Com décadas de exposição, considerando a expectativa de vida média do brasileiro, podem surgir riscos carcinogênicos”, afirma a pesquisadora.

Um problema que persiste

Os pesquisadores reforçam que o cenário é resultado de um processo contínuo: desde o rompimento, o estuário do rio Doce recebe rejeitos carreados pela água, que se acumulam nas camadas superficiais do solo. Para além do alerta sobre o consumo local, o estudo fornece subsídios para políticas públicas e práticas de remediação ambiental.

O trabalho de Duim e da equipe já rendeu sete publicações internacionais e dois prêmios de tese em 2025 — o Prêmio USP de Tese (Sustentabilidade) e o Prêmio Capes de Tese. A pesquisa contou com apoio da FAPESP em diversas modalidades, incluindo bolsas de doutorado, pós-doutorado e auxílios à pesquisa.

Os autores defendem a necessidade de monitoramento constante da área e de medidas de remediação que reduzam a transferência de EPTs para as plantas. Embora parte da produção não represente risco imediato para adultos, os dados revelam vulnerabilidades importantes e reforçam que os efeitos do desastre de Mariana continuam se desdobrando, silenciosa e profundamente, na saúde das comunidades e na segurança alimentar da região impactada.

O artigo Environmental Geochemistry and Health citado na matéria pode ser acessado em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/41032166/ DOI: 10.1007/s10653-025-02770-9 (PubMed)


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