No primeiro semestre deste ano, a Organização Meteorológica Mundial divulgou o Relatório sobre o Estado Global do Clima, que destacou o aumento alarmante da temperatura global e reforçou que as mudanças climáticas são um dos maiores desafios para a humanidade.
Uma nova pesquisa da USP investigou como as comunidades microbianas, responsáveis pelo ciclo do metano – um potente gás de efeito estufa – reagem a essas mudanças na Amazônia. Entre as principais descobertas, os experimentos de laboratório mostraram que o aumento da temperatura resultou em uma redução significativa na capacidade de absorção de metano nas florestas de terra firme da Amazônia.
O estudo foi liderado por Júlia Brandão Gontijo, engenheira agrônoma e pesquisadora formada pelo Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da USP, sob orientação da professora Tsai Siu Mui. A pesquisa foi publicada na revista Environmental Microbiome em julho.
“Estamos vivenciando os efeitos das mudanças climáticas e as previsões são alarmantes”, alerta Júlia, destacando que “o metano possui um poder de aquecimento cerca de 27 vezes maior que o dióxido de carbono”. Segundo a cientista, compreender como esses ciclos serão afetados pelas mudanças climáticas é fundamental.
Estudo em laboratório
A pesquisa teve como objetivo investigar como as comunidades microbianas em várzeas e florestas de terra firme da Amazônia respondem a cenários simulados de mudanças climáticas, focando nas variações de temperatura e no regime de inundações. “Queríamos entender o impacto dessas mudanças sobre a composição e a dinâmica das comunidades microbianas e suas implicações nas emissões de metano”, explica Júlia.
Para isso, os pesquisadores coletaram solos de duas várzeas (rios Amazonas e Tapajós) e de uma floresta de terra firme, simulando condições de seca e inundação em diferentes temperaturas (27 °C e 30 °C) em um experimento de microcosmo.
As comunidades microbianas foram monitoradas ao longo de 30 dias por meio de sequenciamento do gene 16S rRNA e qPCR. O sequenciamento identificou os tipos de microrganismos presentes no solo, enquanto o qPCR quantificou sua abundância. Além disso, foram analisadas propriedades químicas do solo, fluxos de metano e distribuições específicas de isótopos para avaliar como variações de temperatura e inundações influenciam a produção e o consumo de metano.
“Isolar esses fatores no laboratório foi um desafio”, comenta Júlia. “Mantivemos as amostras em estufas para controlar a temperatura e simulamos condições de seca e cheia, mantendo o solo em umidade específica. Isso nos permitiu observar o que pode acontecer em diferentes cenários climáticos.”
Um dos resultados mais surpreendentes foi a estabilidade das comunidades microbianas nas várzeas, mesmo com o aumento da temperatura. “Esperava encontrar maiores mudanças nas várzeas, mas elas se mostraram bastante estáveis. Provavelmente, a microbiota já está adaptada às variações sazonais de inundação e seca”, observa Júlia.
Por outro lado, as florestas de terra firme apresentaram uma resposta preocupante. “A capacidade de absorção de metano foi reduzida em 70% com o aumento da temperatura, sugerindo que áreas antes consideradas sumidouros de metano podem se tornar fontes desse gás devido ao aquecimento global”, adverte a pesquisadora.
Impacto em políticas públicas
De acordo com Júlia, os resultados da pesquisa podem ajudar na formulação de políticas públicas e incentivar esforços para mitigar as mudanças climáticas. “Nossos dados reforçam a importância de preservar a floresta, que atua como um sumidouro de metano. É urgente criar políticas públicas que evitem o desmatamento e reduzam as emissões de gases de efeito estufa”, enfatiza.
Atualmente, em seu pós-doutorado na Universidade da Califórnia, Júlia continua estudando a Amazônia, focando na correlação entre a presença de microrganismos e sua atividade. “Não basta saber que os microrganismos estão lá, precisamos entender o que eles estão fazendo. Estamos utilizando novas ferramentas moleculares para investigar como esses microrganismos estão ativos em diferentes estações e como isso se relaciona com as emissões de gases de efeito estufa.”
A engenheira destaca que o próximo passo é expandir os estudos de campo, em colaboração com o Soil Eco Genomics Laboratory da Universidade da Califórnia, liderado pelo professor Jorge Rodrigues. “Estamos conduzindo estudos diretamente no campo, correlacionando a presença dos microrganismos com sua atividade nas diferentes estações”, afirma Júlia, ressaltando que “mais pesquisas são essenciais para uma compreensão mais profunda dos ciclos de metano na Amazônia”.
O artigo completo está disponível neste link.
Fonte: Jornal da USP
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