O ecólogo paulista Gustavo Paterno chegou pela primeira vez a Sumatra, na Indonésia, em 2021, como coordenador de um projeto de restauração florestal da Universidade de Göttingen, na Alemanha, naquele país. Observou as ilhas de árvores plantadas em meio a uma vasta plantação de dendê e se lembrou de um experimento que havia conduzido na Caatinga 10 anos antes.

Em uma área ocupada por pastagens em Petrolina, Pernambuco, quando estava na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Paterno plantou árvores embaixo de outras árvores para ver como elas estabeleciam a chamada interação ecológica de facilitação, quando uma planta beneficia outra, protegendo-a de condições ambientais desfavoráveis. Algumas, como a catingueira-rasteira (Poincianella microphylla) e o faveleiro (Cnidoscolus quercifolius), ajudavam outras a crescer ao criarem sombra com suas copas, que soltam folhas que mantêm a umidade do solo e o abastecem com nutrientes para as plantas.
Com sua orientadora de mestrado, Gislene Ganade, e o coordenador do experimento em Petrolina, José Alves Siqueira Filho, ele formulou as hipóteses de que a interação deveria se dar entre espécies, a maior diversidade inicial de árvores poderia promover uma maior diversidade de plantas beneficiadas, e o efeito poderia variar, favorecendo a germinação, por exemplo, mas depois barrando o crescimento de outras plantas. Pensou que esses fenômenos poderiam ser mais abrangentes e não apenas locais, mas não tinha ainda como verificar. Descrito em novembro de 2024 na Science, o experimento em Sumatra confirmou suas ideias ao expor relações similares mesmo em um ambiente diferente, com árvores de até 40 metros (m) de altura.
Renato Bandeira / inaturalist Um faveleiro de Curaçá (BA): uma das principais espécies facilitadoras da CaatingaRenato Bandeira / inaturalist
Paterno logo veria interações entre pares de árvores em uma escala muito maior, influenciadas pela luminosidade ou por compostos químicos que podem beneficiar ou prejudicar o crescimento das plantas. A convite do ecólogo Miguel Verdú, da Universidade de Valência, na Espanha, que havia lido o trabalho sobre a Caatinga, publicado em janeiro de 2016 na Journal of Vegetation Science, o ecólogo brasileiro ingressou na RecruitNet, uma rede mundial criada em 2018 pelo espanhol, que aplicou o conceito de redes de recrutamento de árvores. Ele separou as espécies em dois grupos: as recrutadoras ou facilitadoras, que são as primeiras a chegarem a novos ambientes e criar condições favoráveis para outras espécies; e as recrutadas, que inicialmente crescem sob a copa das recrutadoras.
Detalhada em fevereiro de 2023 na revista Ecology, a RecruitNet reúne informações sobre 143 locais, com 2.355 plots (ou pontos de amostragem), em 23 países de regiões desérticas, temperadas e tropicais de cinco continentes. A planilha que acompanha o artigo, com 135.211 linhas, detalha os lugares de amostragem das 118.411 interações pareadas, com as recrutadoras e as recrutadas, entre 3.318 espécies de árvores. Os pesquisadores estudaram florestas tropicais e subtropicais úmidas similares à Amazônia no Panamá, Peru, China, Papua Nova Guiné e Filipinas. Com elevada biodiversidade, Papua Nova Guiné se destacou como o país com mais interações: 557 espécies e 40.365 interações.
Os dados sobre o Brasil que detalham as interações entre árvores da Caatinga foram reunidos por Paterno, e os de duas áreas da Mata Atlântica no Paraná foram coletados pelo biólogo paranaense Vinícius Marcílio-Silva, atualmente na Universidade do Estado de Dakota do Norte (NDSU), nos Estados Unidos. O trabalho é resultado de seu mestrado na Universidade Federal do Paraná (UFPR), publicado em maio de 2015 na Austral Ecology.
Na Caatinga e na Mata Atlântica, Paterno e Marcílio-Silva registraram 258 interações, 29 espécies recrutadoras e 56 recrutadas. A que se mostrou mais protetora foi uma árvore da Mata Atlântica encontrada de Minas Gerais até o Rio Grande do Sul, a capororoca (Myrsine umbellata), que formava 57 pares com as espécies recrutadas, inclusive com ela própria. A segunda, a pixirica (Miconia sellowiana), encontrada na Mata Atlântica e no Cerrado, favoreceu o crescimento de 43 outras espécies, incluindo ela própria. Nem sempre plantas da mesma espécie se ajudam, porque podem competir pelos mesmos nutrientes ou atrair insetos herbívoros que atacam tanto as adultas quanto as ainda em crescimento.
Em 2013, ao contar as plantas que cresciam sob a sombra de outras nos parques estaduais de Guartelá e Vila Velha, distantes entre si 150 km, Marcílio-Silva admirou-se da capacidade da capororoca de crescer em ambientes distintos – em meio a matas de araucária, descampados ou sobre rochas com pouco solo. “Essa espécie consegue vencer a competição com as gramíneas, produz flores simples, que podem ser polinizadas por muitas espécies de insetos, e tem uma grande dispersão de sementes”, observa.
Curiosamente, a capororoca predominava em Guartelá, mas não em Vila Velha, onde aparecia em terceiro lugar entre as principais recrutadoras. “A espécie mais abundante não é necessariamente a que chega primeiro, mas a mais agressiva, capaz de ocupar os espaços de outras”, reflete Marcílio-Silva. Ele teve a mesma dúvida que Paterno: que outros lugares poderiam apresentar os mesmos fenômenos? A dúvida durou anos, até ele também ser convidado por Verdú para integrar a RecruitNet.
Na Caatinga, as principais recrutadoras foram a catingueira-rasteira, comum em áreas degradadas, com 41 interações, e o faveleiro, com 40. O total de espécies recrutadas pelas principais recrutadoras da Caatinga é menor que o da Mata Atlântica, mas a capacidade de recrutamento é três vezes maior, considerando a diversidade de espécies de cada bioma. O mesmo efeito foi observado em áreas semiáridas da costa oeste dos Estados Unidos, no México, na Argentina e na Arábia Saudita. De modo geral, como detalhado na edição de junho da Biological Review, o número de interações entre as árvores cresce nas áreas mais secas, em comparação com as úmidas, porque as plantas dependem mais de outras em ambientes mais inóspitos.
Enrique Salazar / inaturalistUma capororoca de Capão do Leão (RS), principal recrutadora de outras espécies de árvores da Mata AtlânticaEnrique Salazar / inaturalist
As generalizações nem sempre funcionam: “Dependendo de quem está em cima, fornecendo sombra, e quem está embaixo, o resultado pode variar”, previne Paterno. Em campo, ele notou que a catingueira favorece a germinação e o crescimento da aroeira (Myracrodruon urundeuva), mas com o pereiro (Aspidosperma pyrifolium) o efeito não é favorável em todas as fases de crescimento. A jurema-preta (Mimosa tenuiflora) ajudou apenas na germinação da aroeira, que, como se observou, cresceu pouco. Algumas relações são bastante curiosas: por mais que goste de sol, o cacto coroa-de-frade (Melocactus zehntneri) aprecia a sombra da catingueira.
As espécies que formam as estruturas das matas podem variar de um lugar para outro. “A catingueira mostrou um efeito mais positivo que a jurema-preta na colonização de ambientes degradados, mas pode não ser a mais indicada para todas as áreas de Caatinga”, alerta Paterno. Em experimentos na Floresta Nacional de Açu, na região central do Rio Grande do Norte, as principais recrutadoras foram o pereiro, a jurema-branca (Piptadenia stipulacea) e a jurema-preta (ver Pesquisa FAPESP nº 346).
“Como a diversidade de espécies pode variar dentro de um mesmo bioma, precisamos estudar as típicas de cada lugar para conhecer as interações”, acentua a botânica Aretha Guimarães, em estágio de pós-doutorado no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), que não participou do estudo. “Em ambientes de alta diversidade como a Amazônia, é bastante difícil fazer essa distinção entre os grupos de espécies, além de encontrar as que atraem as espécies que interessam e vençam a competição com as invasoras, como as gramíneas, bambus e outras espécies de ampla dispersão.”
Gustavo PaternoExemplo de ilha de restauração em meio a plantação de dendê pode ser vista em Sumatra, na IndonésiaGustavo Paterno
Para o engenheiro-agrônomo Pedro Brancalion, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), que também não participou desse levantamento, a identificação das interações entre as espécies reforça a tendência dos especialistas de sair de um enfoque antigo dos projetos de restauração de paisagens – misturando o maior número de espécies, ainda que muitas possam não se desenvolver – para uma visão mais clara sobre a função ecológica das árvores.
Ele próprio adota uma abordagem similar, com dois grupos: o das recobridoras, como mutambo (Guazuma ulmifolia), algodoeira (Heliocarpus popayanensis) e capixingui (Croton floribundus), que crescem rápido e formam uma copa frondosa, cuja sombra dificulta o crescimento de gramíneas invasoras; e o da diversidade, com dezenas de outras espécies, que não crescem tão rápido. “Em cinco anos várias espécies já cresceram bastante e em 10 anos parte da cobertura vem das outras espécies, com a morte natural e gradual das espécies de recobrimento”, relata. “As abordagens precisam ser validadas em campo, porque o ambiente de restauração, por ter um solo geralmente degradado, é diferente de um ambiente natural.”
Paterno pretende se mudar de volta para o Brasil no início de 2026 e criar ilhas de restauração em paisagens agrícolas dominadas por monoculturas de eucalipto, café, soja ou cana-de-açúcar, com base nos experimentos feitos na Indonésia. “Precisamos ir além das plantas e avaliar como as redes de recrutamento influenciam outros níveis ecológicos, como as redes de polinizadores, dispersores de sementes e as interações abaixo do solo com fungos e bactérias”, afirma.
A reportagem acima foi publicada com o título “Árvores que protegem outras árvores” na edição impressa nº 354, de agosto de 2025.
Artigos científicos
ALCANTARA, J. M. et al. Key concepts and a world-wide look at plant recruitment networks. Biological Review. v. 100, n. 3, p. 1127–51. jun. 2025.
FAGUNDES, M. et al. The role of nurse successional stages on species-specific facilitation in drylands: Nurse traits and facilitation skills. Ecology and Evolution. v. 8, n. 10. 27 abr. 2018.
MARCILIO-SILVA, V. et al. Nurse abundance determines plant facilitation networks of subtropical forest–grassland ecotone. Austral Ecology. v. 40, n. 8, p. 898-908. 21 maio 2015.
PATERNO, G. B. et al. Diverse and larger tree islands promote native tree diversity in oil palm landscapes. Science. v. 386, n. 6723, p. 795-802. 14 nov. 2024.
PATERNO, G. B. et al. Species-specific facilitation, ontogenetic shifts and consequences for plant community succession. Journal of Vegetation Science. v. 27, n. 3, p. 606-15. 29 jan. 2016.
VERDÚ, M. et al. RecruitNet: A global database of plant recruitment networks. Ecology. v. 104, n. 2, e3923. fev. 2023.
Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.
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