O garimpo ilegal é uma ferida aberta na Amazônia há séculos. Mesmo com os solos já bastante explorados, a busca incessante por vestígios de ouro continua a alimentar uma atividade clandestina, marcada por degradação ambiental e violações de direitos humanos. Mas agora, a própria floresta pode estar oferecendo um aliado inesperado no combate a esse crime: suas árvores.

Hoje, para extrair ouro do solo, garimpeiros ilegais utilizam mercúrio (Hg), um metal líquido altamente tóxico. Ao misturá-lo ao sedimento, o mercúrio se liga às minúsculas partículas de ouro, formando uma liga (amálgama) que, ao ser queimada, separa o metal precioso do Hg. O problema? Esse processo libera vapores tóxicos que contaminam o ar, os rios e o organismo das comunidades locais.
Além do impacto ambiental, localizar essas operações clandestinas não é tarefa fácil. Algumas delas ocorrem em escavações subterrâneas, como as encontradas pela Polícia Federal no início deste ano, feitas justamente para escapar da fiscalização.
Foi diante desse cenário que um grupo de cientistas teve uma ideia inovadora: usar as árvores como “testemunhas vivas” da contaminação por mercúrio. O estudo, publicado na Frontiers in Environmental Science, analisou os anéis de crescimento de figueiras amazônicas da espécie Ficus insipida para detectar vestígios da poluição causada pela mineração.
Árvores tropicais podem se beneficiar ao serem atingidas por raios
“Mostramos que os núcleos das árvores de Ficus insipida podem ser usados como biomonitor para caracterizar a pegada espacial — e potencialmente temporal — das emissões de mercúrio da mineração artesanal de ouro nos neotrópicos”, explicou a professora Jacqueline Gerson, da Universidade Cornell.
A pesquisa envolveu a coleta de amostras do tronco de figueiras em cinco locais distintos. Três delas estavam situadas próximas a áreas mineradoras (a cerca de 5 km), onde é comum a queima da amálgama. As outras duas vieram de regiões mais isoladas, uma delas próxima a uma área de floresta protegida.
Os resultados foram claros: as árvores próximas aos garimpos apresentaram níveis significativamente mais altos de mercúrio, enquanto as que estavam distantes mostraram concentrações muito mais baixas do metal. E mais — os picos de contaminação coincidiram com o aumento da atividade mineradora, especialmente após o ano 2000.
Embora não indiquem coordenadas exatas como um GPS, essas árvores funcionam como indicadores ambientais confiáveis. Elas revelam padrões espaciais da poluição por mercúrio, podendo ajudar autoridades a mapear regiões com maior risco de presença de garimpo ilegal.
“A Ficus insipida pode ser usada como uma ferramenta barata e poderosa para examinar grandes tendências espaciais nas emissões de Hg nos neotrópicos”, conclui Gerson.
Em meio à luta pela preservação da Amazônia, a floresta mostra, mais uma vez, que pode ser parte da solução. Basta saber escutá-la.
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