Apesar de críticas, floresta sob concessão é melhor que floresta devastada

-Retirado do texto original de André Fonseca, para o InfoAmazônia


A Floresta Nacional de Tapajós do alto, que é uma das mais antigas do país com plano de manejo. Foto: Flávio Forner/InfoAmazonia
A Floresta Nacional de Tapajós do alto, que é uma das mais antigas do país com plano de manejo. Foto: Flávio Forner/InfoAmazonia
Cerca de 200 mil metros cúbicos de madeira devem ser produzidos este
ano em florestas públicas concedidas pelo governo federal na Amazônia –
aproximadamente 2% do total produzido na região, conforme o Serviço Florestal Brasileiro (SFB).
Apresentado como alternativa sustentável, o regime de concessões prevê
que daqui 30 anos, quando máquinas voltarem às áreas exploradas, a mesma
composição de floresta será encontrada. Mas a natureza não obedece às
leis determinadas pelo homem. E este tempo já é considerado curto para a
recuperação total da área.


O engenheiro florestal Niro Higuchi afirma que estudos mais recentes
indicam que este ciclo de 30 anos não é sustentável. Pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) 
Madeiras da Amazônia, Niro diz que estudos mais recentes já
demonstraram que a floresta precisa de mais tempo para se recompor.
“Experimentalmente, eu diria que o ciclo ideal seria de 40 anos. Mas,
para colocar em lei, eu colocaria 50 para não errar”, defende o
pesquisador, que cita o caso da Mil Madeireira, empresa que maneja
florestas na região de Itacoatiara, na Região Metropolitana de Manaus.
Por lá, o ciclo previsto pela autorização é de 25 anos. Mas já se sabe,
de acordo com Niro, que este tempo é curto e que aumentar para 30 anos
não é suficiente. “Não tem a mínima chance da floresta voltar a ser o
que era”, afirma.
O engenheiro destaca que o ciclo atual não permite à floresta recuperar o
mesmo conjunto de árvores retiradas. Um dos motivos é a variedade de
espécies, cada uma crescendo em um ritmo diferente. Niro lembra que o
ciclo de 30 anos foi definido com base no conhecimento que se tinha na
época da elaboração da Lei de Gestão de Florestas Públicas,
há mais de uma década. Os dados eram obtidos em experimentos de dez
anos ou pouco mais. “Tanto que a primeira regulamentação, não tinha
ciclo de corte, para a gente aprender”, recorda. “Mas, logo em seguida,
começaram a colocar, a fazer uma receita de bolo”.

Em defesa das concessões

Apesar das críticas ao ciclo de corte, o modelo é defendido pelo
Serviço Florestal Brasileiro (SFB), responsável pelas concessões e
acompanhamento das empresas escolhidas para explorar madeira em
florestas nacionais. As concessões de florestas públicas são vistas como
um caminho econômico e também de proteção da floresta pois, além de
permitir o uso “sustentável”, cria um sistema de proteção para as áreas
concedidas, com a presença da empresa concessionária.


“Durante a discussão que envolveu a construção da lei, houve uma
participação muito intensa da sociedade, como um todo, como organizações
não governamentais, e uma série de salvaguardas foram colocadas na lei
justamente para garantir que houvesse a implantação de um modelo
diferente do que se tem na exploração das florestas privadas”, afirma o
gerente de Monitoramento do SFB, José Humberto Chaves. “A FAO
[Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura] reconhece
o manejo florestal sustentável como uma atividade de muito baixo
impacto e uma atividade que cria uma alternativa de uso da floresta”,
completa.
José admite que ocorrem danos, mas afirma que são controlados. Cerca de
8% da cobertura vegetal é afetada pela atividade na área explorada.
Nesta conta, entram a média de cinco árvores retiradas por hectare e
também o impacto pela abertura de estradas e trilhas de arraste, onde o
trator circula para retirar as toras. Segundo o gerente do SFB, o
monitoramento de áreas sob concessão indica que a vegetação de sub
bosque alterada se recupera em dois ou três anos.
O SFB tem sido conservador na permissão de volumes a serem
explorados. A regra libera a exploração de 25 metros cúbicos por
hectare, porém as autorizações em média permitem a retirada de apenas 16
metros cúbicos por hectare. A razão disto é a diversidade de espécies
encontradas na floresta, que nem sempre coincide com a necessidade do
mercado. Árvores que poderiam ser retiradas, mas não teriam comprador,
são poupadas.


Esta redução do volume autorizado ajuda a combater fraudes, avalia
José Humberto Chaves. Em áreas particulares, segundo o gerente do SFB,
nem todo o volume autorizado é realmente cortado. Isso ocorre porque nem
sempre as árvores que interessam à madeireira na área atingem o volume
autorizado para o corte. A fraude, já identificada, consiste em usar as
licenças que sobram para esquentar madeira retirada de forma ilegal de
outras áreas. Elas são transportadas e vendidas como se fossem oriundas
de florestas concedidas.

Processo de concessão 

Antes de ser dada a permissão para que máquinas sejam ligadas na
floresta, o SFB elabora um Plano Anual de Outorga Florestal (PAOF), onde
estão as florestas públicas passíveis de serem exploradas pelas
madeireiras e que vai conduzir o processo de licitação de áreas no ano
seguinte. A maioria delas está na Amazônia, que concentra 90% dos 310
milhões de hectares de florestas públicas brasileira.


O PAOF deste ano foi publicado em julho de 2016 e elegeu 1,81 milhões de hectares de florestas
[.pdf, 3,5MB] em quatro estados, Amazonas, Pará, Amapá e Rondônia. Além
de sete Florestas Nacionais (Flona), há a possibilidade de concessão de
áreas públicas ainda não destinadas pelo governo federal no Sul do
Amazonas.
O plano é submetido a consultas públicas e de outros órgãos, antes de
aprovado. A partir dele, são realizados estudos para a elaboração do
edital de concessão. José destaca que estes estudos são bastante
detalhados na análise de ocupação da área, mesmo que a exploração só
seja permitida em áreas previstas no Plano de Manejo da Unidade da
Floresta Nacional.
“A gente realiza um diagnóstico de ocupação e vai na área para
identificar a presença de comunidade locais, mesmo que elas estejam fora
da zona de uso comunitário”, conta o gerente de Monitoramento do SFB.
“Obrigatoriamente temos que excluir essas áreas ocupadas pelas
comunidades do processo de concessão. A gente tem esses mecanismos de
exclusão dessas áreas do contrato e para compensar o concessionário com
outras áreas ou fazer um reequilíbrio financeiro no contrato de
concessão”, completa.A partir daí, então, é elaborada a minuta com a
proposta do edital de concessão. Antes de concluir o edital, o documento
passa ainda por audiências locais, com participação da comunidade,
ICMBio e Conselho Consultivo da Flona. Entre as informações levadas para
as reuniões, estão as áreas a serem concedidas, previsão de produção,
geração de empregos, arrecadação prevista.
E mesmo depois de concedida a área, de acordo com José, existe um
controle da atividade, feito por diversos órgãos. “Além do serviço
florestal e do monitoramento feito pelo Ibama, que é o órgão que
autoriza e licencia o Plano de Manejo, a gente tem uma presença
constante do ICMBio, que está verificando se o concessionário está
obedecendo o Plano de Manejo da Unidade de Conservação, e o
monitoramento do contratado do Serviço Florestal”, explica.


Mas nem sempre este processo é livre de controvérsias. No Pará, o Ministério Público Federal trava uma disputa na Justiça contra impactos reclamados por ribeirinhos e quilombolas em uma floresta sob concessão.

 Potencial de crescimento

O Serviço Florestal Brasileiro estima que as florestas públicas
concedidas na Amazônia podem produzir até 4,5 milhões de metros cúbicos
de madeira em tora. Isto significa condições de oferecer cerca de 40% do
produto hoje destinado ao mercado, com a vantagem de reduzir impactos
sobre a floresta e a garantia de suprimento. Mas a previsão é que a
produção em florestas concedidas chegue no máximo a 700 mil metros
cúbicos dentro de dois ou três anos. E isto enfrentando a concorrência
do produto mais barato explorado de forma predatória ou às vezes ilegal.


O gerente do SFB destaca que concessionários de áreas públicas têm
custos que muitas vezes não precisam ser bancados por outros
madeireiros, como de planejamento, investimentos em infraestrutura e
compromissos trabalhistas. “A gente espera que o concessionário
florestal, em algum momento, seja compensado por isso”, afirma José
Humberto Chaves. “Não só pelo pagamento do valor adicional ou garantir
mercado para lucrar. Ele tem duas coisas que os outros não têm: garantia
de suprimento da madeira e um contrato de 40 anos”.
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