Césio-137 em sedimentos de rio paulista reforça debate sobre o Antropoceno

Estudo identifica resíduos de testes nucleares dos anos 1950–1970 em camadas sedimentares, fortalecendo evidências de uma nova época geológica marcada pelo impacto humano.

A descoberta de partículas de césio-137 em sedimentos de um rio no interior de São Paulo trouxe novos elementos para uma das discussões mais quentes da ciência contemporânea: a definição do Antropoceno, possível nova época geológica marcada pelo impacto das atividades humanas no planeta. O achado integra uma pesquisa que busca identificar marcos físicos capazes de delimitar, com precisão, o início dessa era.

Antropoceno e césio-137
Ações humanas deixam marcas tão profundas no meio ambiente que são capazes de alterar a própria história geológica da Terra. – Foto: Kell Kell – Wikimedia Commons

O estudo, realizado por pesquisadores brasileiros, analisou depósitos sedimentares formados ao longo das últimas décadas e identificou ali sinais inequívocos de radioatividade artificial — algo inexistente na natureza antes dos testes nucleares realizados pelo mundo entre as décadas de 1950 e 1970. Esses resíduos, transportados pela atmosfera e depositados na superfície terrestre por meio da chuva, acabam ficando registrados no solo, nos lagos e nos rios.

O césio-137, em especial, é considerado um marcador global importante porque não existia na Terra antes da era nuclear. Sua presença funciona como uma “assinatura” temporal extremamente precisa, que ajuda a estabelecer fronteiras entre períodos geológicos.

Por que isso importa para o Antropoceno?

A proposta de reconhecer oficialmente o Antropoceno como uma nova época da história da Terra depende de evidências físicas que demonstrem impactos humanos suficientemente profundos, duradouros e globalmente detectáveis. Esses marcadores precisam aparecer de forma consistente em diferentes regiões do planeta.

O césio-137 cumpre esse papel por três motivos centrais:

  1. Distribuição global: as partículas radioativas oriundas dos testes nucleares se espalharam pelo hemisfério Sul e chegaram à América do Sul.

  2. Precisão temporal: a concentração do elemento tem picos bem definidos entre 1950 e 1970, funcionando como uma espécie de “relógio geológico”.

  3. Persistência: mesmo com o passar das décadas, continua presente em camadas sedimentares preservadas.

A identificação do elemento em um rio paulista reforça a tese de que os sinais do Antropoceno são globais e não apenas restritos a regiões industrializadas do Norte Global.

Não há risco à saúde — mas há impacto científico

Os pesquisadores deixaram claro que as concentrações encontradas não representam risco à saúde humana ou ao ambiente. Os valores são extremamente baixos e compatíveis com o que se espera após décadas de decaimento radioativo.

O impacto mais relevante está no campo científico: o achado amplia o conjunto de evidências que sustentam a existência de um novo período geológico associado às ações humanas.

Uma discussão que vai além da ciência

O debate sobre o Antropoceno não se limita aos geólogos. A definição dessa nova época envolve questões sobre:

  • a relação entre sociedade e meio ambiente,

  • o alcance global das atividades humanas,

  • as consequências de eventos tecnológicos e industriais,

  • e o reconhecimento de que transformamos o planeta em escala irreversível.

A pesquisa brasileira contribui justamente para esse entendimento ao mostrar que até mesmo ambientes aparentemente distantes de grandes polos industriais carregam marcas profundas do século XX.

O rio como arquivo da história humana

Sedimentos de rios e lagos funcionam como páginas de um livro que registra, ano após ano, tudo o que cai sobre a superfície terrestre. Metais pesados, poluentes atmosféricos, microplásticos e, agora, isótopos radioativos artificiais são elementos que contam a história das transformações provocadas pelos humanos.

O césio-137 preservado nas camadas estudadas é mais um capítulo desse registro silencioso.

O futuro da definição do Antropoceno

Apesar das evidências acumuladas ao redor do mundo, o Antropoceno ainda não é oficialmente reconhecido pela Comissão Internacional de Estratigrafia. Há divergências sobre qual seria o marco mais adequado e qual data representaria melhor o início da nova época.

O achado em São Paulo, portanto, não encerra a discussão — mas adiciona peso à argumentação de que a era atômica e seus resíduos radioativos constituem um marco inequívoco do avanço humano sobre os sistemas naturais do planeta.

Fonte: Jornal da USP


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Arthur Brasil

Engenheiro Florestal formado pela FAEF. Especialista em Adequação Ambiental de Propriedades Rurais. Contribuo para o Florestal Brasil desde o inicio junto ao Lucas Monteiro e Reure Macena. Produzo conteúdo em diferentes níveis.

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