A descoberta de partículas de césio-137 em sedimentos de um rio no interior de São Paulo trouxe novos elementos para uma das discussões mais quentes da ciência contemporânea: a definição do Antropoceno, possível nova época geológica marcada pelo impacto das atividades humanas no planeta. O achado integra uma pesquisa que busca identificar marcos físicos capazes de delimitar, com precisão, o início dessa era.

O estudo, realizado por pesquisadores brasileiros, analisou depósitos sedimentares formados ao longo das últimas décadas e identificou ali sinais inequívocos de radioatividade artificial — algo inexistente na natureza antes dos testes nucleares realizados pelo mundo entre as décadas de 1950 e 1970. Esses resíduos, transportados pela atmosfera e depositados na superfície terrestre por meio da chuva, acabam ficando registrados no solo, nos lagos e nos rios.
O césio-137, em especial, é considerado um marcador global importante porque não existia na Terra antes da era nuclear. Sua presença funciona como uma “assinatura” temporal extremamente precisa, que ajuda a estabelecer fronteiras entre períodos geológicos.
Por que isso importa para o Antropoceno?
A proposta de reconhecer oficialmente o Antropoceno como uma nova época da história da Terra depende de evidências físicas que demonstrem impactos humanos suficientemente profundos, duradouros e globalmente detectáveis. Esses marcadores precisam aparecer de forma consistente em diferentes regiões do planeta.
O césio-137 cumpre esse papel por três motivos centrais:
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Distribuição global: as partículas radioativas oriundas dos testes nucleares se espalharam pelo hemisfério Sul e chegaram à América do Sul.
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Precisão temporal: a concentração do elemento tem picos bem definidos entre 1950 e 1970, funcionando como uma espécie de “relógio geológico”.
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Persistência: mesmo com o passar das décadas, continua presente em camadas sedimentares preservadas.
A identificação do elemento em um rio paulista reforça a tese de que os sinais do Antropoceno são globais e não apenas restritos a regiões industrializadas do Norte Global.
Não há risco à saúde — mas há impacto científico
Os pesquisadores deixaram claro que as concentrações encontradas não representam risco à saúde humana ou ao ambiente. Os valores são extremamente baixos e compatíveis com o que se espera após décadas de decaimento radioativo.
O impacto mais relevante está no campo científico: o achado amplia o conjunto de evidências que sustentam a existência de um novo período geológico associado às ações humanas.
Uma discussão que vai além da ciência
O debate sobre o Antropoceno não se limita aos geólogos. A definição dessa nova época envolve questões sobre:
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a relação entre sociedade e meio ambiente,
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o alcance global das atividades humanas,
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as consequências de eventos tecnológicos e industriais,
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e o reconhecimento de que transformamos o planeta em escala irreversível.
A pesquisa brasileira contribui justamente para esse entendimento ao mostrar que até mesmo ambientes aparentemente distantes de grandes polos industriais carregam marcas profundas do século XX.
O rio como arquivo da história humana
Sedimentos de rios e lagos funcionam como páginas de um livro que registra, ano após ano, tudo o que cai sobre a superfície terrestre. Metais pesados, poluentes atmosféricos, microplásticos e, agora, isótopos radioativos artificiais são elementos que contam a história das transformações provocadas pelos humanos.
O césio-137 preservado nas camadas estudadas é mais um capítulo desse registro silencioso.
O futuro da definição do Antropoceno
Apesar das evidências acumuladas ao redor do mundo, o Antropoceno ainda não é oficialmente reconhecido pela Comissão Internacional de Estratigrafia. Há divergências sobre qual seria o marco mais adequado e qual data representaria melhor o início da nova época.
O achado em São Paulo, portanto, não encerra a discussão — mas adiciona peso à argumentação de que a era atômica e seus resíduos radioativos constituem um marco inequívoco do avanço humano sobre os sistemas naturais do planeta.
Fonte: Jornal da USP
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