Uma nova pesquisa publicada na revista Communications Earth & Environment, do grupo Nature, revela que o ciclo hidrológico da Amazônia está se intensificando: a estação chuvosa está ficando ainda mais úmida e a estação seca mais seca. O estudo é assinado por pesquisadores do Brasil, Alemanha e Estados Unidos e utilizou uma abordagem inovadora baseada na análise de isótopos de oxigênio contidos nos anéis de crescimento de árvores amazônicas para reconstruir a sazonalidade das chuvas na região ao longo dos últimos 40 anos.

Essa descoberta lança nova luz sobre como a maior floresta tropical do mundo está respondendo às mudanças climáticas globais e ao desmatamento local, com implicações alarmantes para a biodiversidade, a agricultura, a geração de energia e a sobrevivência das populações humanas que dependem dos recursos naturais da região.
Como o estudo foi feito
A equipe de pesquisadores analisou os chamados isótopos estáveis de oxigênio (δ¹⁸O) presentes na celulose de anéis anuais de árvores coletadas em diferentes partes da Amazônia, incluindo áreas de floresta de terra firme (que cresce na estação chuvosa) e de várzea (que cresce na seca). Esses isótopos funcionam como registros químicos que refletem a composição da água absorvida pelas árvores durante seu crescimento — e, por consequência, a quantidade de precipitação.
A técnica se baseia na lógica do modelo de destilação de Rayleigh, segundo o qual, à medida que o vapor de água se desloca para dentro do continente, as chuvas se tornam progressivamente mais “leves” em termos de isótopos, ou seja, menos enriquecidas em δ¹⁸O. Assim, valores mais baixos de δ¹⁸O indicam mais chuva e valores mais altos, menos chuva.
Foram analisadas séries de anéis de árvores que cobrem o período de 1980 a 2020, permitindo aos cientistas reconstruírem a variação sazonal da precipitação em uma escala de quatro décadas — um feito inédito na pesquisa climática amazônica.

O que foi descoberto
De forma consistente entre diferentes espécies e regiões, os pesquisadores constataram que:
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A estação chuvosa está ficando mais úmida, com um aumento médio de 15% a 22% na intensidade das chuvas ao longo do período estudado.
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A estação seca está ficando mais seca, com uma redução média de 5,8% a 13,5% na precipitação.
Em outras palavras, o regime de chuvas da Amazônia está se tornando mais polarizado e extremo: há mais água concentrada em menos tempo no ano, seguida por períodos mais prolongados de escassez hídrica.
Esse padrão é o que os cientistas chamam de intensificação do ciclo hidrológico, fenômeno previsto por modelos climáticos que relacionam o aquecimento global com maior concentração de vapor d’água na atmosfera, levando a chuvas mais fortes em algumas épocas e secas mais severas em outras.

Por que isso importa
A intensificação da sazonalidade do ciclo hidrológico na Amazônia tem consequências diretas para:
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A biodiversidade, que depende de ciclos relativamente estáveis para a reprodução e dispersão de espécies.
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A agricultura familiar e comercial, que sofre tanto com enchentes quanto com estiagens prolongadas.
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A geração de energia hidroelétrica, vulnerável à irregularidade dos fluxos dos rios.
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A segurança alimentar e hídrica das populações amazônicas, especialmente indígenas, ribeirinhas e quilombolas.
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O risco de incêndios florestais, que aumenta significativamente durante secas intensas, mesmo em florestas úmidas como a amazônica.
Além disso, as alterações no regime de chuvas amazônico afetam o clima em outras regiões do Brasil e da América do Sul, pois a floresta funciona como uma “bomba biótica” que recicla e exporta umidade por meio da evapotranspiração.
Um alerta para o futuro
Os autores do estudo afirmam que os dados reforçam a urgência de ações para reduzir o desmatamento, conter as emissões de gases de efeito estufa e preservar os ciclos ecológicos da Amazônia. A continuidade dessa intensificação climática pode levar a um ponto de inflexão, no qual a floresta deixe de conseguir se manter e entre em colapso ecológico, sendo substituída por savanas ou áreas degradadas — fenômeno conhecido como savanização da Amazônia.
O estudo também serve como um alerta estratégico à medida que o Brasil se prepara para sediar a COP30 em 2025, em Belém do Pará. Com base científica sólida e inovadora, a pesquisa amplia o senso de urgência sobre a proteção da Amazônia não apenas como patrimônio brasileiro, mas como um sistema climático essencial para o equilíbrio do planeta.
Referência
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Brienen, R. J. W. et al. Tree-ring δ¹⁸O records reveal intensification of rainfall seasonality in the Amazon over recent decades. Communications Earth & Environment (2025). DOI: 10.1038/s43247-025-02408-9
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