Amazônia além das credenciais: a COP 30 precisa da rua para fazer história

Em Belém, a COP30 vai ganhar fôlego nas ruas: povos amazônicos e sociedade civil devem ocupar o debate climático para exigir metas mais ousadas e justiça ambiental real.

A Conferência do Clima de 2025 não caberá nas salas envidraçadas da Zona Azul nem nos estandes patrocinados da Zona Verde. Realizada em Belém (PA), no coração da Amazônia, a COP 30 chegará cercada por 200 delegações oficiais, mas também por vozes que há séculos mantêm a floresta viva. Para movimentos sociais, organizações do terceiro setor e empresas que buscam compromisso ambiental, essa edição oferece algo que as anteriores não tinham: um país com tradição de mobilização popular e um território que decide o futuro climático do planeta.

As regras da UNFCCC reservam a Zona Azul às negociações formais e deixam a Zona Verde para eventos “paralelos”. Mesmo assim, ninguém sério acredita que acordos saiam apenas dos plenários. Estudos sobre engajamento em mega-eventos apontam que, para cada negociador credenciado, circulam de três a quatro atores não estatais disputando narrativas, recursos e reputação – dinâmica que a presidência brasileira pretende estimular, inventariando mais de 400 compromissos voluntários de anos anteriores e cobrando entrega de resultados. Se o jogo real acontece nos bastidores, Belém multiplicará esses bastidores em ruas, praças e rios.

O contexto brasileiro: democracia em estado de mobilização
Ao contrário das últimas anfitriãs, Brasil tem longa história de conferências populares: Eco 92, Fórum Social Mundial e a Cúpula dos Povos da Rio+20. Assim como Belém, que já sediou o Diálogos Amazônicos no ano passado, por exemplo. Essa experiência se renova agora: pelo menos 700 organizações já confirmaram presença na nova Cúpula dos Povos, de 12 a 16 de novembro, com plenárias, feiras agroecológicas e “barqueata” pelos furos amazônicos. O objetivo é pressionar governos por metas mais ousadas, após a sensação de frustração deixada pela COP 29 em Baku, que prometeu só US$ 300 bilhões/ano de financiamento climático – quatro vezes menos que o necessário segundo o The Guardian.

Esse caldo de participação popular é reforçado pelos desafios logísticos. A imprensa internacional já registrou o “apagão” de hospedagem em Belém e o risco de delegados terem de pernoitar em Manaus ou em navios-hotéis. Se falta teto, sobra rua: acampamentos, cozinhas solidárias e alojamentos coletivos aproximarão diplomatas, ONGs e comunidades tradicionais, quebrando a barreira simbólica entre credenciados e não credenciados.

A COP é, antes de tudo, um megafone planetário. Para o terceiro setor, participar significa ampliar causas, atrair financiadores e converter evidências em influência política. As ONGs que atuam em clima registraram aumento de doações e financiamento após se engajarem em Glasgow e Dubai. Ao construir narrativas próprias essas organizações desafiam o “green speak” corporativo e oferecem insumos técnicos às delegações.

Empresas, por sua vez, encaram Belém como teste de fogo reputacional. Estudo recente da Page Society sobre comunicação estratégica indica que, em eventos de alto escrutínio, a credibilidade empresarial depende de transparência de dados e parceria autêntica com atores locais. No Brasil, redes como o Pacto Global já lançaram programas para guiar CEOs em compromissos até a COP 30. A lição é clara: quem chegar apenas para discursos de ocasião corre o risco de ser denunciado em tempo real nas redes da sociedade civil.

Dados, vozes e precedentes
65 % dos brasileiros confiam mais em ONGs do que em governos quando o tema é crise climática, segundo o Edelman Trust Barometer 2024.

O Observatório do Clima calcula que povos indígenas monitoram 27 % do carbono florestal do mundo com custo anual inferior a 2 % do orçamento global de REDD+.

Belém herda esse histórico e o expande: iniciativas como o encontro promovido pelo Instituto Clima e Sociedade, que já reuniu 25 organizações amazônicas para alinhar agendas antes da COP 30, indicam que a floresta deixou de ser cenário para se tornar sujeito político.

Além das paredes
A COP 30 será julgada pelos textos que saírem da Zona Azul, mas sua legitimidade dependerá do que acontecer fora dela. Quando quilombolas, ribeirinhos e jovens periferias chamam a si o papel de guardiões do clima, lembram ao mundo que a transição não será justa se for negociada entre poucos. Para o Brasil, anfitrião de biodiversidade e conflitos socioambientais, a chance é dupla: liderar a diplomacia formal e provar que democracia se faz com as portas escancaradas.

Se as delegações quiserem ouvir soluções reais, precisarão atravessar a avenida, subir o trapiche, sentar na roda e aprender com quem sustenta a Amazônia dia após dia. A COP dentro dos pavilhões pode até fechar acordos; a COP da rua, das cozinhas solidárias e dos debates plurais mostrará se temos fôlego moral para cumpri-los.

Porque justiça climática, como lembram as populações amazônidas, não cabe em documento de plenária: ela começa onde a vida pulsa, nos territórios.


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