Um estudo realizado pelo Instituto de Biociências (IB) da USP revelou pela primeira vez que o sanhaçu-verde (Thraupis palmarum) manipula, quebra a concha e consome caracóis da espécie Leiostracus perlucidus. Essa descoberta surpreendeu os pesquisadores, já que a dieta conhecida do T. palmarum é predominantemente frugívora.
O biólogo Luís Felipe Natálio, em colaboração com uma equipe de ornitólogos, conduziu a pesquisa na Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) do Sesc Bertioga. “Inicialmente, o comportamento não foi reconhecido de imediato e só foi validado após análise do banco de imagens do Ciência Cidadã, uma plataforma alimentada majoritariamente por cidadãos comuns, e não por acadêmicos”, explica Natálio.
O Ciência Cidadã inclui as plataformas WikiAves e Birds of the World, onde voluntários compartilham imagens que frequentemente não são encontradas em livros tradicionais. Para validar os achados, os pesquisadores compararam o comportamento registrado com 6 mil fotos, resultando na elaboração de uma primeira nota científica que anexou a fotografia do pássaro alimentando-se do caramujo.
Após capturar o caracol, o sanhaçu-verde usou uma superfície dura para quebrar a concha do molusco. “A princípio, pensamos que o som das batidas era de um pica-pau, mas logo descobrimos que esse comportamento é comum entre aves que se alimentam de presas semelhantes. É possível que o sanhaçu já tenha incluído o caracol em sua dieta, mesmo que isso ainda não tivesse sido documentado”, destaca Natálio.
Há também a possibilidade de que o hábito tenha sido influenciado por ações humanas. O caracol-terrestre, naturalmente verde, se camufla entre as folhas caídas, e a trilha aberta pelos pesquisadores com madeira escura pode ter aumentado a visibilidade dos caracóis para os sanhaçus. “Acredito que o sanhaçu-verde já deve consumir esses moluscos regularmente, e não estava apenas explorando algo desconhecido”, acrescenta Natálio.
A pesquisa pode abrir portas para novos estudos sobre o sanhaçu-verde, uma vez que há poucos registros fotográficos sobre seus hábitos alimentares. Métodos como a análise de resíduos alimentares no estômago, papo, moela e fezes, além da observação de ninhos, podem fornecer mais informações sobre a dieta dessas aves.
Além disso, é importante realizar mais estudos sobre invertebrados endêmicos da Mata Atlântica, como o caracol. “Não há muitos estudos aprofundados ou monitoramentos contínuos sobre esses aspectos”, alerta Natálio.
O destaque do artigo é o uso das imagens do Ciência Cidadã, que ajudaram a economizar tempo e recursos, demonstrando como o envolvimento do público pode contribuir para a ciência. “É fundamental valorizar e reconhecer a importância dos dados fornecidos por cidadãos comuns. A ciência não é apenas feita em laboratórios por especialistas, mas também no mundo real, com a participação de todos”, enfatiza Natálio.
“Realizar essa pesquisa em uma reserva privada é algo notável, pois não é comum em tais locais. A integração entre pesquisa científica e educação ecológica é inspiradora e incentiva a participação ativa na ciência. Vejo este trabalho como uma oportunidade de unir esses aspectos”, conclui o biólogo.
Para mais informações, entre em contato com Luís Felipe Natálio pelo e-mail luisfelipenatalio@gmail.com.
O artigo completo está disponível em: https://link.springer.com/article/10.1007/s43388-024-00179-z
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