O GOVERNO FEDERAL lançará em 3 de julho o novo Plano Nacional de Agricultura Familiar e Produção Orgânica (Planapo). O objetivo é incentivar a produção de alimentos orgânicos e promover a transição para uma agricultura agroecológica, que combina práticas agrícolas com a preservação ambiental.
No entanto, movimentos do campo ouvidos pela Repórter Brasil expressam desconfiança em relação ao anúncio, apontando que os investimentos são insuficientes e que o orçamento da União favorece cada vez mais as commodities agrícolas e os ultraprocessados.
Criada em 2012 e conhecida como “Brasil Agroecológico”, essa política é principalmente financiada pelo Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), que responde pela maior parte dos investimentos do Plano Safra da Agricultura Familiar. Apesar do enfoque do governo Lula na agricultura sustentável desde a eleição, os recursos destinados à produção orgânica são considerados irrisórios, segundo o Painel do Crédito Rural do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar.
Na safra atual (2023/2024), foram firmados apenas 218 contratos na linha de crédito Pronaf Agroecologia, destinada a produtores orgânicos e agroecológicos, totalizando apenas R$ 7 milhões, o que representa menos de 0,02% do total liberado pelo Pronaf, que é de R$ 49,7 bilhões. As informações da safra atual são parciais e foram atualizadas em 8 de maio.
Ao somar o Pronaf Agroecologia com outras três linhas de crédito para Agricultura de Baixo Carbono (Pronaf Semiárido, Pronaf Bioeconomia e Pronaf Floresta), o total alcança R$ 1,2 bilhão, ou 2,5% de todo o Pronaf. Em termos de contratos, representam apenas 2% dos quase 1,4 milhão de acordos fechados.
O valor ganha ainda mais destaque quando comparado aos créditos destinados à agricultura empresarial pelo Plano Safra, que somam R$ 364,2 bilhões, um aumento de 26% em relação à safra anterior. Em contraste, o Plano Safra para a Agricultura Familiar totaliza R$ 77,7 bilhões no ciclo 2023/2024.
“Não dá para dizer que temos um plano à altura das necessidades, nem no orçamento, nem nas ações. Infelizmente, há uma dificuldade orçamentária e uma falta de diálogo entre os ministérios para investir de forma articulada na agroecologia”, afirma Leomárcio Araújo, do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA).
O governo federal vem elaborando o novo plano agroecológico há quase um ano, desde que recriou a Câmara Interministerial de Agroecologia e Produção Orgânica, composta por 14 ministérios e nove entidades governamentais, e a Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, formada por 21 instituições da sociedade civil, ambas extintas no governo de Jair Bolsonaro (PL).
“As propostas para esse novo plano, tanto em termos de metas quanto de orçamento, são decepcionantes”, afirma Rogério Dias, presidente do Instituto Brasil Orgânico e integrante da comissão de agroecologia. “A expectativa era compensar o tempo perdido e o plano voltar com força. Mas já perdemos um ano e meio de governo sem conseguir retomar as políticas fundamentais, o que é problemático”, acrescenta Dias.
Paulo Petersen, da Articulação Nacional da Agroecologia, critica também que, mesmo os recursos destinados à agricultura familiar, são direcionados para produtores mais capitalizados das regiões Sul e Sudeste. Dados do MDA corroboram essa afirmação.
Apenas os estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina e Minas Gerais concentram 64% de toda a verba do Pronaf. “Defendemos que os recursos sejam destinados à produção diversificada”, afirma Petersen.
Ceres Hadich, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), lamenta que o governo continue culpando a gestão anterior pelo orçamento baixo. “O orçamento para o Plano Safra deste ano não vai atender às necessidades da agricultura familiar, e seguramente isso acontecerá também com o plano de agroecologia”, conclui Hadich.
Plano Safra Empresarial vs. Agricultura Familiar
Apesar da retomada da política, os movimentos de trabalhadores rurais estão desconfiados da eficácia das medidas, pois o governo federal vem perdendo a disputa com a bancada ruralista tanto no Congresso quanto no Executivo.
A discrepância nos investimentos do Plano Safra entre a agricultura empresarial e a familiar é um exemplo claro dessa situação. Neste ano, a previsão para a agricultura familiar é de R$ 80 bilhões, enquanto para a linha empresarial deve ultrapassar R$ 500 bilhões. O Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) informou que só se pronunciará após o lançamento oficial dos planos.
“Estamos falando de uma disputa de orçamento para diferentes modelos de agricultura. O agronegócio conquistou regalias e subsídios ao longo do tempo e mantém sua força. O Executivo está preocupado em buscar alternativas, mas dentro do Congresso Nacional temos a bancada ruralista, que determina o orçamento e usa essa força para controlar o próprio governo”, afirma o deputado federal Nilto Tatto (PT-SP), presidente da bancada ambientalista no Congresso.
A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), braço institucional da bancada ruralista, foi procurada, mas não se manifestou.
Desafios da Agroecologia no Legislativo
No atual cenário, o modelo da agroecologia enfrenta várias derrotas no Legislativo. Uma das mais significativas foi a derrubada dos vetos presidenciais à nova Lei dos Agrotóxicos, apelidada por ambientalistas de “PL do Veneno”. Parlamentares governistas cederam durante as negociações, e o Ministério da Agricultura passou a centralizar o registro e a fiscalização dos produtos.
“Lembro que em 2016 tínhamos o PL do Veneno, que é do agronegócio, e o PL de Redução de Agrotóxicos (PNARA), que é de iniciativa popular. Em 2018, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, criou um grupo especial para analisar o PL do Veneno e apensou o PNARA, praticamente matando a ideia, pois eram dois projetos completamente antagônicos, com modelos de agricultura diferentes. Dialogamos e conseguimos que eles fossem discutidos em comissões diferentes, mas não adiantou. A FPA avançou e saiu vitoriosa com o PL do Veneno”, relembra o deputado Nilto Tatto.
Paulo Petersen, da Articulação Nacional da Agroecologia, critica também o fato de o governo não interferir nos mercados de alimentos. Segundo ele, oferecer apenas crédito aos pequenos agricultores não resolve a questão principal: melhorar a remuneração pela produção diversificada de alimentos.
“Por mais baixos que sejam os juros, se não houver mercados locais, incentivo à produção diversificada e garantia de preços mínimos, não mudará o rumo da agricultura familiar, pois o que remunera bem hoje são as commodities”, afirma Petersen. “Os mercados para alimentos locais estão sendo destruídos e substituídos por grandes cadeias de varejo que comercializam ultraprocessados”, completa.
Fonte: Reporter Brasil
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