Sistemas Agroflorestais: cultivando com resiliência



A resiliência em ecossistemas naturais


Em ecologia, resiliência (ou estabilidade de resiliência) é a capacidade de um sistema restabelecer seu equilíbrio após este ter sido rompido por um distúrbio, ou seja, sua capacidade de recuperação. Difere de resistência, que é a capacidade de um sistema de manter sua estrutura e funcionamento após um distúrbio. O termo resistência  (ou estabilidade de resistência) é a capacidade que um sistema apresenta de manter sua estrutura e funcionamento diante de um distúrbio (Gunderson, 2000).

Já o termo distúrbio pode ser compreendido como uma alteração transitória em um ecossistema, ou seja, tudo aquilo que inicia, interrompe ou redireciona o processo de sua sucessão ou regeneração. Fogo, ação de herbívoros, queda de árvores, inundações, revolvimento de solo, deslizamentos de terra, atividades vulcânicas, ataques de insetos, entre outros, constituem distúrbios.

Em termos práticos, para uma maior compreensão da diferença entre resistência e resiliência, façamos uma comparação entre diferentes ambientes do bioma Cerrado e sua resposta à ocorrência de queimadas:

-As fisionomias savânicas do Cerrado, apresentam uma cobertura vegetal com predominância de gramíneas que durante a época seca se tornam um combustível altamente inflamável, facilitando a ocorrência de queimadas. Por outro lado, as árvores desses locais apresentam diversas adaptações à ocorrência dessas queimadas, de modo que consigam se recuperar após a passagem do fogo.  Tais características fazem com que esses ambientes não apresentem resistência ao fogo, pois, a vegetação é queimada rapidamente após esse tipo de distúrbio. Por outro lado, apresentam alta resiliência, sendo capazes de se restabelecerem com rapidez no ambiente após a queimada.

-Já, as matas ripárias (mata ciliar e de galeria) ocupam ambientes de alta resistência à ocorrência de queimadas, pois, são ambientes úmidos com pouco material combustível acumulado, o que se torna um impedimento ao estabelecimento do fogo. Porém, quando essas áreas, ocasionalmente, são atingidas por queimadas, elas apresentam uma baixa resiliência pelo fato da vegetação não ser adaptada a esse distúrbio. Com a ocorrência de fogo nessas matas várias árvores morrem, abrindo clareiras ou aumentando o efeito de borda, facilitando assim a invasão por gramíneas e dificultando o restabelecimento da vegetação florestal, impedindo assim que o ambiente volte ao seu estado inicial, ou seja, reduz drasticamente sua taxa de resiliência.

Quando submetido à um desmatamento para a implantação de agricultura ou pastagem, o ambiente apresenta pouca resistência e baixa resiliência devido à interferência antrópica no ciclo natural dos ecossistemas. Nos dois casos a vegetação complexa e diversa de uma região é convertida rapidamente em um ecossistema simplificado e dominado por uma única ou poucas espécies, o solo e o ambiente são manejados com o intuito de que tais espécies continuem como predominantes, o que fragiliza os ecossistemas e os torna mais susceptíveis à ocorrência de distúrbios, por exemplo: compactação, processos erosivos, lixiviação de nutrientes e empobrecimento dos solos, assoreamento de corpos hídricos, contaminação de solos e água por produtos químicos, perda de biodiversidade, etc.

Sistemas Agroflorestais: produzindo alimentos e garantindo a resiliência dos ecossistemas 

Os Sistemas
Agroflorestais (SAFs), agregam os conhecimentos tradicionais, tanto indígenas,
quilombolas e demais agricultores familiares, com técnicas de manejo
específicas afim de direcionar o agroecossistema à sua autossuficiência, em
termos de biodiversidade e de serviços ecológicos, assemelhando-se a uma área
de vegetação primária. Além disso, tem a vantagem de agregar valor comercial,
devido a variedade de cultivares. São utilizadas espécies lenhosas e de uso
madeireiro em consórcio com culturas anuais ou perenes. A regeneração natural
também aparece e o sistema sobrevive e se regenera através do processo de
sucessão de espécies (Gotsch, 2005).

Diferente da agropecuária convencional, nos SAFs são empregadas práticas de cultivo que se baseiam na complexidade dos ecossistemas naturais, são agroecossistemas que otimizam o uso da terra, conciliando produção de alimentos, energia e serviços ambientais com a produção florestal, diminuindo a pressão pelo uso da terra para a produção agropecuária, possibilitando a conservação do potencial produtivo dos recursos naturais renováveis, por meio de sistemas agroecológicos mais estáveis.  

Os sistemas agroflorestais multiestrata, ou agroflorestas, visam aproximar o agroecossistema o máximo possível de um ambiente natural. Neste sistema a estratificação florestal e a sucessão natural são princípios chave, onde nenhum recurso é desperdiçado e o objetivo final é a formação de uma floresta que se aproxime o máximo da vegetação original que existia no ambiente.

Nos canteiros diversificados são introduzidas hortaliças e plantas de ciclo anual intercaladas entre mudas de espécies frutíferas e florestais nativas. Nos primeiros anos as hortaliças e as plantas anuais servem de alimentos para humanos e animais, em pouco tempo as frutíferas cumprirão esse papel e as espécies florestais plantadas com fins madeireiros forneceram madeira para ser utilizada na propriedade rural ou comercializada, as espécies florestais nativas se estabeleceram de forma que venham a recompor boa parte da biodiversidade local.

A alta incorporação de matéria orgânica nesses agroecossistemas protege os solos contra processos erosivos, compactação e lixiviação, auxiliando positivamente nas características fisico-químicas do solo. Esta prática ainda possibilita a ocorrência de uma grande diversidade de organismos edáficos, como minhocas e microrganismos que ajudam a garantir boas propriedades ao solo e na ciclagem de nutrientes, através da decomposição da matéria orgânica tais organismos devolvem ao solo os nutrientes necessários para que haja uma boa produção de alimentos e um bom restabelecimento da vegetação nativa. Nos SAFs pautados em princípios agroecológicos não há a aplicação de produtos químicos, de modo que o solo, a água, o ar e a vida não sejam contaminados. 

As práticas e técnicas empregadas nesses agroecossistemas proporcionam condições favoráveis para que um ambiente se recupere após um distúrbio, garantindo assim sua resiliência, dentre elas podemos citar: microclima favorável à ação de microrganismos, atenuação de processos erosivos, proteção e melhoria do solo, ciclagem de nutrientes, aumento da diversidade proporcionada pela sucessão e facilitação da colonização por espécies nativas, criação de zonas tampão entre áreas agrícolas e reservas florestais, união de fragmentos florestais influenciando positivamente no fluxo gênico e deposição de propágulos. Ainda, na medida que a diversidade da flora aumenta começam a aparecer espécies da fauna nativa de diferentes níveis tróficos, que por sua vez são agentes dispersores de sementes, polinizadores inimigos naturais que impedem a ocorrência de pragas, sendo essenciais à manutenção da biota como um todo e na aceleração da regeneração natural.

SAF no Cerrado: o início de uma agrofloresta visando produzir alimentos e devolver a vegetação nativa de uma área ocupada por espécies exóticas

O engenheiro florestal Lucas Henrique, da empresa Resíduo Celeste, gravou um pequeno vídeo mostrando o início da recuperação de uma área com a implantação de sistema agroflorestal. A área é dominada por uma gramínea exótica e o objetivo do SAF será produzir alimentos diversificados e proporcionar condições necessárias para o restabelecimento da vegetação nativa da região, o agroecossistema começou a ser implantado durante o curso Vivência Agroflorestal Agroecológica ministrado por ele no município de Anápolis-GO, região que faz parte do bioma Cerrado:



Agradecimento: O Florestal Brasil agradece ao engenheiro florestal Lucas Henrique por ter cedido o vídeo que consta nesta postagem.



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