Estudo comprova que polpa de açaí processada mantém compostos bioativos e protege o coração

Pesquisa liderada por instituições brasileiras mostra que o açaí industrializado conserva propriedades antioxidantes e pode ter efeitos protetores para o fígado e o coração. Resultados fortalecem a valorização do fruto amazônico e sua cadeia produtiva.

Um novo estudo publicado na revista Antioxidants confirma algo que consumidores e produtores de açaí já intuíam, mas que agora tem base científica: mesmo processado, o açaí mantém compostos bioativos potentes, com efeitos protetores sobre células cardíacas e no fígado. Os resultados abrem novas perspectivas para o fortalecimento da cadeia produtiva do fruto e valorizam a atuação de cooperativas agroextrativistas da Amazônia.

Conduzido por pesquisadores da Universidade do Estado do Amapá (UEAP), Universidade Federal do Amapá (Unifap), Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal do Pará (UFPA) e parceiros internacionais como a Universidade da Carolina do Norte (EUA), o estudo é o primeiro a demonstrar a atividade cardioprotetora do açaí processado a nível molecular.

“Já existem muitos estudos sobre o açaí fresco, mas poucos analisam a polpa processada. Nosso objetivo era entender como os compostos bioativos se comportam após a pasteurização, adição de ácido cítrico e armazenamento, já que é assim que o produto circula comercialmente”, explicou o professor Gabriel Silva (UEAP), um dos autores do artigo.

O que o estudo descobriu

Utilizando espectrometria de massas de alta resolução, os cientistas identificaram mais de 100 compostos, entre antocianinas, flavonoides, ácidos fenólicos e lignanas. Alguns deles foram descritos pela primeira vez em extratos de açaí — o que torna o estudo pioneiro nesse aspecto.

“Foi uma surpresa positiva. Já sabíamos que o açaí se degrada facilmente, mas confirmamos que isso não compromete sua funcionalidade. O processamento altera os bioativos, mas a atividade antioxidante é mantida”, diz Silva.

Nos testes práticos, a polpa pasteurizada foi capaz de proteger células cardíacas expostas a estresse oxidativo e apresentou efeitos hepatoprotetores em modelos animais. Os dados apontam para o potencial do açaí como alimento funcional não apenas in natura, mas também em sua forma comercializada.

Ciência que valoriza o território

O açaí utilizado no estudo foi fornecido por cooperativa agroextrativista do Amapá. Segundo Gabriel Silva, o projeto uniu pesquisa, extensão e ação direta em territórios. “A relevância social do estudo está justamente nessa aproximação entre universidades públicas amazônicas e povos tradicionais. É um modelo de produção científica comprometido com quem vive da floresta”, afirma.

O estudo também foi financiado pelo programa PPSUS da FAPEAP, voltado a pesquisas com potencial de aplicação no Sistema Único de Saúde. A ideia, segundo os autores, é que os resultados possam embasar políticas públicas, especialmente no acompanhamento de pacientes com hipercolesterolemia e riscos cardiovasculares.

“Esse é um ponto importante: o açaí processado pode atuar como adjuvante na prevenção de doenças, inclusive dentro do SUS, respeitando a cultura alimentar local”, completa Silva.

Produto local, potencial global

Com o aumento do consumo de açaí no mercado internacional, especialmente na forma de polpa congelada e produtos industrializados, os resultados do estudo têm implicações diretas para a economia. “A pesquisa contribui para desmistificar a ideia de que alimentos minimamente processados perdem valor funcional. Isso é fundamental para ampliar mercados e agregar valor”, diz o professor.

Segundo ele, há interesse em futuras aplicações farmacêuticas e nutracêuticas do açaí, mas o foco atual é reforçar o consumo da polpa como forma tradicional e acessível de nutrição.

Além do açaí, a equipe já está estudando outras frutas amazônicas com potencial funcional, como tucumã, buriti e inajá, em parceria com a Universidad de San Sebastián, no Chile, por meio da Red Colaborativa de Estudios en Alimentos Ancestrales.

“Pesquisa não se faz só. Contar com redes de colaboração nacionais e internacionais, como a que formamos entre Brasil e Chile, é o que permite ampliar a escala e a qualidade dos estudos”, destaca Silva.

Mais ciência, mais floresta em pé

O impacto da pesquisa não é apenas laboratorial. Ao reconhecer e validar cientificamente os benefícios da polpa de açaí processada, o estudo fortalece a narrativa de que a floresta em pé pode, sim, gerar desenvolvimento – com base, valor agregado e protagonismo local.

“Toda evidência científica sobre bioatividade em alimentos da sociobiodiversidade ajuda a qualificar o debate e valorizar cadeias produtivas que hoje ainda enfrentam invisibilidade”, conclui Gabriel Silva.

Com informações do artigo “Phytochemical Profiling of Processed Açaí Pulp…” publicado na revista Antioxidants, vol. 14, 2024.


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