A repetição de megaincêndios pode levar à extinções locais, evidencia novo artigo
Pesquisadores divulgam resultados de pesquisa sobre o comportamento de mamíferos frente à queimadas de 2020 no Pantanal
2024 já é um ano marcado por fogo e destruição em regiões de grande importância para a fauna e flora brasileira, em destaque, o Pantanal. Incêndios intensos foram resultados de uma estiagem rigorosa e anormal em junho deste ano. Somente nos primeiros 18 dias do mês, foram registrados 1.434 focos de incêndio no bioma, segundo uma matéria da BBC News Brasil. O cenário atual bate recordes do primeiro semestre de 2020 inteiro, quando o Pantanal teve cerca de um terço do bioma queimado.
Ainda é muito cedo para mensurar os estragos das últimas queimadas, mas é possível analisar a conjuntura de 2020, parecida com a atual. É o que divulga o estudo liderado por Marcelo Magioli, biólogo, pesquisador associado do Instituto Pró-Carnívoros, pesquisador colaborador do ICMBio/CENAP (Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros), e pós-doutorando da Universidade de São Paulo (FFCLRP/USP). Junto a outros pesquisadores, o artigo publicado na revista Scientific Reports reúne consequências do megaincêndio na Estação Ecológica de Taiamã e em seu entorno, no norte do Pantanal, Cáceres, Mato Grosso.
Estima-se que houve mais de 4,5 milhões de hectares de área queimada no Pantanal durante 2020, resultando na morte de 17 milhões de vertebrados, e impactos negativos em pelo menos 65 milhões de animais devido à perda de habitat e escassez de recursos (alimentos, água, abrigo) causada por mudanças ambientais. Frente a isso, utilizando como comparativo estudos anteriores, e conhecimento prévio da Estação, os autores instalaram armadilhas fotográficas, ao todo 50 pontos de câmera, para monitorar, durante o período de 90 dias, a presença de mamíferos no pós-fogo.
Concomitante ao uso das armadilhas fotográficas, também foi empregada amostragem por DNA ambiental, método que usa amostras de água com traços e fragmentos de DNA dos animais. Essas duas metodologias buscaram avaliar quais estavam ali antes e depois do fogo. O resultado quanto a presença dos mamíferos de médio e grande porte (acima de um quilograma) é surpreendente: mais espécies foram encontradas no cenário posterior ao fogo, o número pulou de 18 para 27 – o que, nem de longe, pode ser considerado algo positivo.
O dado significa que a dinâmica ambiental sofreu alterações: “Acreditamos que o aumento da riqueza de espécies foi provocado pela modificação ambiental causada pelo fogo (…). Essa modificação junto à questão da seca, favoreceu o aparecimento de algumas espécies, por exemplo grandes herbívoros que não tinham registros anteriores na área, uma vez que podem ser atraídos por conta do rebrotamento”, explica Marcelo Magioli.
Tipos de florestas
O estudo aponta a importância da proteção das áreas monoespecíficas (formadas por apenas uma espécie de árvore), que se demonstraram mais sensíveis ao fogo, como é possível visualizar nas imagens a seguir. As florestas poliespecíficas (com várias espécies de árvores) foram mais resistentes quando comparadas as assembleias de mamíferos. A diversidade desses animais se mostrou maior no segundo tipo de floresta, evidenciando a necessidade desses ambientes mais complexos para a manutenção dos animais após incêndios.
Animais em risco
O artigo ainda mostrou que sete espécies tiveram sua abundância relativa fortemente afetada pelo aumento da proporção de áreas queimadas em florestas monoespecíficas, sendo duas ameaçadas de extinção em nível nacional como o veado-campeiro e a onça-pintada. As populações dessas espécies de grande porte são geralmente pequenas e isoladas, o Pantanal é um reduto de ambas no Brasil. Uma avaliação dos impactos deste megaincêndio nas populações de onças-pintadas indica um cenário perturbador para a conservação da espécie em longo prazo, considerando a proporção de indivíduos e habitats potencialmente afetados.
Os resultados também demonstram impacto nos animais chamados de dependentes florestas, o biólogo Magioli consta que “muitas delas [espécies] apesar de estarem presentes e andando nessas áreas que foram queimadas, dependem de floresta. A partir do momento que você tira floresta essas espécies acabam não conseguindo sobreviver mais. (…) A própria onça-pintada, a anta, o veado-mateiro, (…) a onça-parda também. Primatas que estão presentes ali, como macaco-prego, o bugio. O tamanduá-bandeira, (…) depende da floresta para termorregulação. Então mesmo aqueles que são adaptados a áreas abertas dependem dessas áreas de floresta, como áreas de refúgio, de repouso.”
As queimadas continuam evoluindo no Brasil desde o megaincêndio de 2020, angustiando quem acompanha. A sensação é que acumula-se grandes acontecimentos calamitosos quando o assunto é meio-ambiente. Frente ao cenário atual e levando como base o artigo, Magioli comenta: “A nossa preocupação é esta: esse tipo de evento [incêndios severos e de grande magnitude] se repetindo. Isso pode causar descaracterização dessas comunidades, dessas assembleias de mamíferos, trazendo espécies que não são esperadas ali, modificando a composição. E, na pior das hipóteses, a repetição desses eventos podem levar à extinções locais.”
Fonte: Magioli, M. et al. 2024. Forest type modulates mammalian responses to megafires. Scientific Reports 14: 13538.
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