A intrínseca relação entre o Brasil e o trabalho escravo

"O trabalho doméstico no Brasil provém de uma construção sociohistóricaestreitamente ligada ao sistema colonial escravista. Foi estruturado precariamente e evidencia a influência desse período na formação de uma sociedade marcada pela segregação de raça, gênero e classe." Eduardo Oliveira Silva e Rosana de Freitas Santana
“O trabalho doméstico no Brasil provém de uma construção sociohistórica estreitamente ligada ao sistema colonial escravista. Foi estruturado precariamente e evidencia a influência desse período na formação de uma sociedade marcada pela segregação de raça, gênero e classe.” Eduardo Oliveira Silva e Rosana de Freitas Santana / Imagem: cbs.org.br

 

BREVE RESUMO DO TRABALHO DOMÉSTICO NO BRASIL

O Brasil e o trabalho escravo! O trabalho doméstico no Brasil tem origem em uma construção social e histórica ligada ao sistema de escravidão colonial. Foi organizado de forma precária e mostra a influência desse período na formação de uma sociedade marcada pela segregação de raça, gênero e classe. Os primeiros registros de serviços domésticos foram das atividades realizadas no período colonial e essa é a intrínseca relação entre o Brasil e o trabalho escravo.

A família colonial reuniu, sobre a base econômica da riqueza agrícola e do trabalho escravo, uma variedade de funções sociais e econômicas” A obra detalha o convívio baseado na dependência e exploração2. Na história humana, as atividades relacionadas ao interior do lar sempre foram feitas principalmente pela figura feminina.

Engels (1884), afirma que havia uma divisão do trabalho entre os sexos, as mulheres eram parte da propriedade privada dos homens, portanto, suas atividades e atribuições estavam ligadas aos trabalhos domésticos e segundo Marcela Rage Pereira (2021), depois da instalação da escravidão africana, as mulheres brancas da elite limitaram suas atividades à prática de bordado, gerenciamento das atividades da casa e educação dos filhos, delegando os trabalhos domésticos para as negras escravas, como cozinheiras, copeiras, amas de leite, damas de companhia, arrumadeiras entre outras funções.

A Lei Áurea promulgada em 13 de maio de 1888 foi o marco que abriu o período pós abolição. / O Brasil e o trabalho escravo!
Reprodução: facebook.com/arquivonacionalbrasil

No período imperial, é importante destacar o papel do Estado brasileiro na continuação e manutenção dos mecanismos escravistas. Evaristo de Moraes, um renomado escritor e advogado brasileiro, em sua obra “A campanha abolicionista”, questiona a legitimidade da própria manutenção da escravidão, à luz do ordenamento jurídico durante o Império do Brasil e observa que a vigilância das senzalas, os combates às fugas e a legitimação do sistema escravista por meio de uma ordem jurídica que defende a propriedade privada, onde os negros escravos eram apenas objetos, portanto, protegidos pela lei. Assim, observam-se ações governamentais para garantir o direito de posse dos senhores sobre os escravos.

 

A promulgação da Lei Áurea em 13 de maio de 1888 marcou o início do período pós-abolição. No entanto, é importante destacar que esse evento específico foi, na verdade, uma manobra política destinada a aliviar a pressão exercida sobre a Coroa Portuguesa em relação à manutenção da escravidão na colônia. A Inglaterra desempenhou um papel fundamental no fim do tráfico de escravos e no movimento abolicionista, tanto em Portugal quanto no Brasil. As pressões políticas vindas da Inglaterra exerceram uma influência significativa sobre Portugal. Os lusitanos atenderam às demandas britânicas como uma forma de “pagar uma dívida” relacionada ao apoio militar e logístico fornecido pelos britânicos durante o plano de fuga da Família Real Portuguesa de Lisboa para o Rio de Janeiro, em 1808, quando Portugal foi invadido pelas tropas de Napoleão Bonaparte.

Portanto, a promulgação da Lei Áurea em si foi, na verdade, um ato diplomático e não refletiu uma intenção benevolente genuína por parte da corte portuguesa.

Diante desse contexto, é evidente que não houve nenhum esforço ou planejamento para auxiliar na transição dos ex-escravizados do trabalho escravo para o trabalho livre, mesmo recebendo após em sua liberdade por meio de cartas de alforria, muitos ex-escravos que se envolviam em tarefas domésticas auxiliadas sob a tutela de seus antigos senhores! Isso ocorreu principalmente em troca de abrigo e alimentação e isso pode ser o início de uma perpetuação de costumes que temos até os dias atuais.

 

 

LEIA TAMBÉM: O que é trabalho análogo à escravidão, segundo a lei brasileira

A ESCRAVIDÃO “MODERNA”

A escravidão contemporânea pode ser compreendida como uma reinterpretação da escravidão colonial, e mais precisamente, do “plagium” da Roma Antiga. Nesse contexto, o empregador utiliza sua posição de autoridade na relação de trabalho para subjugar o empregado para além dos limites estabelecidos pela lei. Nas relações de trabalho, é fundamental estabelecer limites, que são regidos por normas e, acima de tudo, pelo princípio da dignidade humana, que é um dos pilares fundamentais do Estado Brasileiro. Qualquer violação dos direitos trabalhistas é considerada ilegal. Em situações extremas que degradam a dignidade humana, como o trabalho análogo à escravidão, configura-se um crime.

O crime de trabalho análogo à escravidão foi definido no artigo 149 do Código Penal de 1940 de forma concisa e abrangente: “Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo”. Isso deixou espaço para interpretações sobre os elementos que efetivamente caracterizariam essa condição. Posteriormente, a Lei nº 10.803 de 2003 modificou esta redação, acrescentando que a restrição de liberdade também inclui a restrição do direito de locomoção e pressão psicológica.

A ESCRAVIDÃO “MODERNA” EM 2023

Em uma reportagem do G1, é dito que o “Brasil bate recorde e faz o maior resgate de vítimas de trabalho escravo no campo para um 1º semestre em 10 anos” e em outra matéria afirma que “‘Lista suja’ do trabalho escravo tem a maior atualização da história, com 204 novos nomes“!

A “lista suja” do governo federal com nomes de empregadores que submeteram trabalhadores a condições análogas à escravidão teve a sua maior atualização da história neste mês de outubro. Mais 204 nomes foram adicionados à lista.

A inclusão foi a maior já realizada, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Ela inclui a Cervejarias Kaiser, do Grupo Heineken.

Em nota oficial, o grupo dissef que a inclusão da empresa na lista está relacionada a infrações trabalhistas cometidas por uma transportadora que prestava serviço à marca, mas que não faz mais parte do quadro de fornecedores da empresa.

O levantamento da CPT é feito com base em informações coletadas por agentes da pastoral pelo Brasil, notícias da imprensa e divulgações de órgãos públicos, movimentos sociais e organizações parceiras.

TRABALHO DOMÉSTICO ANÁLOGO À ESCRAVIDÃO: FATORES PERPETUADORES E A APLICABILIDADE DA JUSTIÇA RESTAURATIVA

Os resgates de vítimas de trabalho escravo em áreas rurais já haviam disparado e batido recorde no início do ano, segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), obtidos pelo g1, na ocasião.

Isso pode ser explicado pelo aumento das denúncias, avanço da terceirização, pobreza e falta de responsabilidade das empresas, segundo fiscais, associações e pesquisadores consultados pelo g1, em março deste ano.

Já para a Comissão Pastoral da Terra, o aumento dos resgates demonstra que os órgãos de fiscalização estão mais atentos ao tema.

Um dos casos de grande repercussão neste ano ocorreu durante a safra de uva, em fevereiro, quando 207 trabalhadores foram encontrados em situações degradantes de trabalho, no município de Bento Gonçalves (RS).

Eles eram contratados pela empresa Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde LTDA, que prestava serviços a três grandes vinícolas da região: Aurora, Cooperativa Garibaldi e Salton.

As plantações de uva são consideradas lavouras permanentes, a 2ª maior atividade rural com vítimas resgatadas (331) de trabalho análogo à escravidão, no 1º semestre de 2023.

Elas só perderam para as lavouras de cana-de-açúcar, onde 532 pessoas foram resgatadas. Uma das grandes operações ocorreu em março, em Goiás, quando o MTE flagrou 212 trabalhadores em condições degradantes, em fazendas de cana que iam do sul de Goiás até a cidade de Araporã, em Minas Gerais.

A grande maioria dos conflitos no campo brasileiro continua sendo as disputas por terra (714), seguidas pelo trabalho escravo rural (102), conflitos pela água (80), ocupação e retomada de terras (71) e acampamentos (6).

Quase 527 mil pessoas estiveram envolvidas nesses conflitos, o que representa uma pequena queda de 2% em relação ao ano passado.

No que diz respeito apenas aos conflitos por terra, a pastoral afirma que 878 famílias sofreram com a destruição de suas casas, 1.524 com a de seus roçados e 2.909 com a de seus pertences.

A CPT disse ainda que os maiores causadores das violências no campo foram fazendeiros (19,75%), governo federal (19,33%), empresários (16,95%), governos estaduais (13,31%) e grileiros (8,54%).

A violência contra as mulheres em áreas rurais vem crescendo desde 2021, segundo a CPT. Somente no 1º semestre deste ano foram 107 registros.

Segundo o instituto, o destaque foram os estupros de 30 adolescentes yanomami por garimpeiros, no mês de fevereiro.

Outros casos são de mulheres que sofrem com intimidação (20), ameaças de morte (16), agressão (6), criminalização (5), cárcere privado (5), dentre outros.

“Lembrando que a mesma pessoa pode sofrer mais de uma violência numa mesma ocorrência”, reforça a Pastoral.

Após 300 anos de escravidão e a construção de um Estado sob um sistema de exploração, o Brasil não reformulou sua estruturação social pós-abolição, com isso, tornou-se um país não-escravagista, entretanto, estruturalmente racista. Essa estrutura contaminou todos os âmbitos possíveis dessa recente nação, mantendo a mentalidade de elitismo e valoração de raças.

pode-se observar que com base na legislação protetiva no âmbito internacional assim como no plano de governo nacional, há que se reconhecer a morosidade no qual as legislações foram desenvolvidas. Portanto, analisa-se que o trabalho em condições análogas ao escravo no Brasil, agora utilizando-se da sua invisibilidade, faz-se recorrente no cotidiano brasileiro. Essas trabalhadoras foram negligenciadas e permaneceram à margem do direito em relação a outras categorias de trabalho.

Observa-se que há uma tentativa da legislação brasileira de equiparar os empregados domésticos aos empregados em gerais. Entretanto, o desdém legislativo ao longo dos anos, foi uma peça fundamental na perpetuação de condições análogas à escravidão enraizada na sociedade brasileira desde sua fundação.

Fonte: TRABALHO DOMÉSTICO ANÁLOGO À ESCRAVIDÃO: FATORES PERPETUADORES E A APLICABILIDADE DA JUSTIÇA RESTAURATIVA, G1.


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Reure Macena

Engenheiro Florestal, formado pela Universidade do Estado do Pará (UEPA), Especialista em Manejo Florestal e Auditor Líder - Sistema de Gestão Integrada (SGI). Um parceiro do Florestal Brasil desde o início, compartilhando conhecimento, aprendendo e buscando sempre a divulgação de informações que somem para o desenvolvimento Sustentável do setor florestal no Brasil e no mundo.

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One thought on “A intrínseca relação entre o Brasil e o trabalho escravo

  1. O começo do texto citando Engels e o marxismo já mostra a tendência da narrativa. Os senhores deixaram de ter escravos para agora todo mundo ser escravo do estado, abocanhando 40% do que se produz, em troca de serviços grátis…

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