A Pecuária na Berlinda: A Batalha do Ibama Contra o Gado do Desmatamento e o Futuro da JBS

A operação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) contra grandes frigoríficos, como a JBS, não é apenas uma ação de fiscalização; é um capítulo crucial na longa e complexa guerra contra o desmatamento ilegal no Brasil. A investigação, que aponta um sofisticado esquema de “triangulação” para “lavar” gado proveniente de áreas embargadas, joga luz sobre um problema que há décadas mancha a imagem do agronegócio brasileiro e coloca em risco o futuro dos biomas mais importantes do país, a Amazônia e o Cerrado. A denúncia mostra que, apesar dos acordos e dos discursos de sustentabilidade, as cadeias de suprimentos da carne ainda estão profundamente conectadas à destruição ambiental, expondo empresas bilionárias a riscos legais, financeiros e de reputação em escala global.
A Investigação: Um Cerco ao “Boi Ilegal“
O cerne da operação do Ibama é desmantelar um esquema que permite a venda de gado ilegal para grandes frigoríficos. O processo de “triangulação” funciona de forma simples, mas eficaz: o gado criado em uma fazenda embargada por desmatamento ilegal é transferido para uma propriedade “limpa”, sem pendências ambientais. Dessa fazenda intermediária, o animal é então vendido ao frigorífico, que alega não ter conhecimento da origem criminosa do rebanho. Essa manobra quebra a rastreabilidade e impede que os frigoríficos sejam responsabilizados por comprar o chamado “boi pirata”.
A fiscalização do Ibama, ao detectar essa prática, demonstra que as ferramentas de monitoramento têm evoluído. A operação resultou na apreensão de mais de 7 mil cabeças de gado e na aplicação de dezenas de milhões de reais em multas. Empresas como Frigol e Mercurio, além de unidades da gigante JBS, foram diretamente autuadas, provando que o problema não se restringe a pequenos players. A negação e o silêncio de algumas dessas empresas diante das acusações ressaltam a seriedade do que está em jogo, e a necessidade de uma fiscalização proativa e implacável para romper o ciclo do crime ambiental.
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A Crise da Rastreabilidade e os Acordos Frustrados
A dificuldade de fiscalização na cadeia da pecuária não é nova. Ela é agravada pela ausência de um sistema de rastreabilidade único, que permita o monitoramento de cada animal desde seu nascimento até o abate. Para tentar suprir essa lacuna, o setor assinou acordos voluntários, como o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) da Carne, pactuado em 2009 após intensa pressão do Ministério Público Federal. O objetivo era que os frigoríficos parassem de comprar gado de fazendas que desmataram após 2008, que se sobrepusessem a Unidades de Conservação ou Terras Indígenas.
No entanto, a prática da “triangulação” expôs a principal falha do TAC: ele se limitava a monitorar apenas o fornecedor direto, ignorando fazendas intermediárias. O gado criado em áreas desmatadas (“gado preto”) era “esquentado” em fazendas regulares (“gado verde”) e, assim, entrava legalmente na cadeia de produção. O relatório do Ibama comprova que, mesmo após mais de uma década, o problema persiste e as empresas ainda não conseguiram (ou não quiseram) garantir uma cadeia 100% livre de crimes.
O Papel de Gigantes como a JBS e a Pressão Global
A JBS, maior produtora de carne do mundo, e outras grandes empresas como a Marfrig e a Minerva, têm um papel central nesta discussão. Elas já enfrentaram, no passado, denúncias e processos por sua conexão com o desmatamento. As empresas, em resposta, fizeram promessas públicas e assinaram compromissos para garantir que suas cadeias de suprimentos fossem “livres de desmatamento”. Contudo, as novas investigações do Ibama sugerem que essas promessas foram insuficientes ou não foram cumpridas com rigor.
Essa falha tem consequências graves para além das multas. A imagem do agronegócio brasileiro já é alvo de escrutínio no mercado internacional. Países europeus, por exemplo, estão desenvolvendo e implementando legislações rigorosas que exigem que produtos importados, como a carne, comprovem que não têm nenhuma ligação com o desmatamento. A investigação do Ibama serve como um sinal de alerta para mercados globais e pode resultar em sanções econômicas, perda de contratos e boicotes de consumidores. A reputação da JBS, que exporta para dezenas de países, está diretamente ameaçada.
Os Motores da Destruição
O problema do “boi ilegal” não pode ser entendido sem o contexto maior do desmatamento. A pecuária é, historicamente, o principal vetor de degradação da Amazônia. A lógica por trás dessa destruição é complexa: a abertura de pastos facilita a grilagem, valorizando a terra e permitindo a especulação imobiliária. A prática de desmatar para depois colocar gado é uma forma de demarcar e garantir a posse de terras de forma ilegal. A ausência de políticas públicas eficazes de ordenamento territorial e de fiscalização em larga escala, somada a um discurso político que por vezes enfraquece os órgãos ambientais, cria um ambiente propício para que essas atividades criminosas floresçam.
Uma Encruzilhada para o Brasil
A nova investigação do Ibama é um lembrete de que o Brasil se encontra em uma encruzilhada. O país pode continuar com um modelo de desenvolvimento que aposta em commodities e ignora as falhas de sua cadeia produtiva, arriscando não apenas o futuro de seus biomas, mas também seu lugar no mercado global. Ou pode, finalmente, investir em uma fiscalização robusta, em tecnologia de rastreabilidade e em políticas que incentivem a pecuária sustentável.
A operação contra os frigoríficos, especialmente com o envolvimento de grandes nomes, pode ser o catalisador para uma mudança necessária. Ela mostra que o crime ambiental não compensa e que os responsáveis serão, de fato, punidos. O desafio agora é garantir que essa seja a regra, e não a exceção, para que o “boi verde” se torne a única opção para o Brasil, tanto para o consumo interno quanto para o mercado internacional.
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