A agrofloresta mudou a vida de uma famíla na Caatinga

“A minha Amazônia é aqui”. É assim que José Bocão e Cilene Luzinete, com muito orgulho, descrevem o oásis que criaram em um terreno de apenas 0,25 hectare no semiárido pernambucano, na zona rural de Vertentes, no agreste setentrional, a 180 quilômetros de Recife. Agricultores familiares desde 2018, eles desenvolvem um Sistema Agroflorestal onde praticam e ensinam um método sustentável de produção de alimentos, otimizando recursos e espaço com o plantio e manejo de árvores associadas a culturas agrícolas. Ao entrar na agrofloresta, é fácil perceber o microclima diferenciado.

 Crédito: Sérgio Arruda/Greenpeace

No Sítio Caruá, o casal – ele com 46 anos e ela com 41 – cultiva mais de 70 variedades de frutas e hortaliças. Utilizando tecnologias sociais como cisterna, biodigestor, barreiro, reúso de água e banco de sementes crioulas, além de um pequeno açude e tanque para criação de tilápias, a família fortalece iniciativas de adaptação climática no bioma caatinga. “Com esse solo, tudo que se planta dá. Porque a vida aqui está em abundância”, afirma José Bocão, cavando uma terra escura e cheia de minhocas, contrastando com o terreno pedregoso ao redor.

“Do banho, da pia de pratos e do quintal, fizemos um sistema de filtro para as plantas”, detalha. No local onde vivem com dois filhos, há mamão, graviola, jabuticaba, seriguela, maracujá e sapoti, entre outros. Tudo é devidamente identificado com plaquinhas. O terreno se tornou um exemplo, visitado por escolas e um local de intercâmbio para outros agricultores familiares. Esta realidade é bem diferente do tempo em que a família precisava buscar água num poço a 1,5 quilômetro de casa e não tinha renda fixa.

“Se plantar uma semente, a gente só tem uma chance. Mas, se plantar várias sementes, várias chances nós vamos ter”, ensina José Bocão. “Antes o povo dizia ‘isso é roçado de doido, com tanta coisa misturada’”, relembra. Para ele, a família “tem a faca e o queijo na mão”, mesmo morando numa região semiárida. Além dos tradicionais feijão, milho e abóbora, o conhecimento técnico, com acompanhamento e apoio financeiro, abriu muitas possibilidades.

Reflorestamento agroflorestais: mudando o panorama brasileiro

“O conhecimento foi a melhor coisa para mim. Como agricultora, sempre gostei de plantar. Às vezes, o povo pensa que a mulher é frágil. Mas não é. A gente enfrenta tudo”, orgulha-se Cilene. O casal é acompanhado pelo Centro Sabiá em Pernambuco, uma ONG com sede no Recife, fundada em 1993, que promove a agricultura familiar com base nos princípios da agroecologia.

A Marco Zero visitou Vertentes e também o sítio de João da Onça e Auta Maria Pereira da Silva, em São Caetano, a convite do Sabiá e acompanhada por uma equipe do Greenpeace. Em São Caetano, a reportagem conheceu o processo de construção de uma cisterna, uma tecnologia social de baixo custo que universalizou o acesso à água no semiárido e é uma política pública consolidada no Brasil. Nos últimos 20 anos, mais de 1,2 milhão de cisternas foram construídas em todo o semiárido brasileiro.

“A caatinga é a nossa floresta”

As tecnologias sociais desenvolvidas no semiárido são estratégias de adaptação que permitem que as famílias agricultoras permaneçam em seus territórios com dignidade e produzindo alimentos. Segundo o Censo, a agricultura familiar responde por 70% da alimentação no Brasil. Carlos Magno, da coordenação do Centro Sabiá, explica que “há muita inovação entre as famílias do semiárido; elas mesmas vão criando e adaptando estratégias, que não chegam prontas”. Por exemplo, o biodigestor de José Bocão e Cilene foi construído por eles mesmos. A adaptação para evitar vazamentos foi feita com uma simples palha de aço. Alimentando o biodigestor com esterco algumas vezes por semana, a casa tem gás na cozinha o tempo todo.

Crédito: Sérgio Arruda/Greenpeace

“Isso tem conferido a essas famílias uma certa resiliência para continuar a produzir alimentos e manejar a água”, complementa Carlos. Para ele, a “caatinga é a nossa floresta”. No entanto, em muitos locais, a produção diminuiu porque o regime de chuvas mudou drasticamente e não há mais água suficiente.

“A quantidade de água no sistema, ou seja, na terra e nas árvores, diminuiu porque chove menos, resultando em menos umidade e, consequentemente, menos germinação de sementes. Então, perde-se a capacidade de produzir alimentos nessas regiões”, detalha. A solução é transformar esses sistemas em roçados mais ecológicos, com boa cobertura de solo.

Igor Travassos, coordenador da frente de justiça climática do Greenpeace Brasil, comenta que “não existe uma resposta única para adaptação, pois ela sempre depende das condições de cada território, que são sociais, geográficas, geológicas, hidrológicas e climáticas”. Para ele, é essencial falar de adaptação do ponto de vista da convivência.

“Num cenário de eventos climáticos extremos, o que faremos? Remover todo mundo?”, provoca Igor. Ele destaca a importância de políticas públicas de adaptação serem construídas com as pessoas impactadas, que possuem conhecimento e saberes sobre seus próprios territórios. “O maior desafio da política pública hoje é a vontade de construir conjuntamente com participação social efetiva”, avalia.

Fonte: Marco Zero


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Arthur Brasil

Engenheiro Florestal formado pela FAEF. Especialista em Adequação Ambiental de Propriedades Rurais. Contribuo para o Florestal Brasil desde o inicio junto ao Lucas Monteiro e Reure Macena. Produzo conteúdo em diferentes níveis.

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