Da Floresta à Indústria: Os desafios de vender produtos da Amazônia

“Temos as condições de transformar a venda de produtos da Amazônia em mais do que um item de butique”, diz executiva

Manejo da semente de Cumaru na Amazônia (Imaflora/EXAME)

 

Alter do Chão (PA) — Todos os anos,
toneladas de açaí, castanhas-do-Pará, cera de carnaúba, cumaru, babaçu e
outros ingredientes típicos da Amazônia brasileira chegam a supermercados e indústrias em todo o mundo. 

Ainda que esses itens sejam
reconhecidos em embalagens de alimentos ou cosméticos, o caminho que
percorrem do centro da floresta às prateleiras ainda é pouco conhecido –
e sujeito a riscos e irregularidades. Para fortalecer essas cadeias,
empresas buscam estar mais próximos dos fornecedores. Além disso,
esperam atender às demandas dos consumidores, que buscam produtos mais
sustentáveis, éticos e rastreáveis. 

De acordo com uma pesquisa do
Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), 71%
dos consumidores preferem consumir marcas que tenham ligação com a
sustentabilidade e 52% comprariam uma marca desconhecida se ela
demonstrasse aderência a compromissos sociais e ambientais. Segundo o
instituto, o mercado de alimentos éticos movimenta 66 bilhões de dólares
por ano no mundo. 

Conectar grandes empresas e indústrias
a essas comunidades tradicionais da Amazônia, sejam elas de indígenas,
quilombolas, ribeirinhos ou assentados é uma tarefa bastante complexa.
Não apenas pela distância geográfica, mas também pelas diferenças de
ritmos e de processos. 

Escala


Um dos principais desafios é adequar o
ritmo de produção à demanda das empresas compradoras. No caso de itens
vindos do extrativismo, além disso, há a influência da safra e da
disponibilidade, que varia a cada ano.

“Quem mora na cidade faz uma conta
matemática, calcula o tempo que uma pessoa leva para fazer um item e
estima uma capacidade mensal de produção. Mas as comunidades têm uma
vida social, com festas e tempo com a família, essa conta não funciona”,
afirma André Baniwa, líder indígena e empreendedor. Seu povo
comercializa a pimenta Baniwa em lojas de tempero de todo o país, além
do artesanato de cestas.

Esse tipo de demanda pode pressionar
uma comunidade, seja ela indígena, ribeirinha ou quilombola. Por isso, é
necessário encontrar soluções para atender essa demanda de forma mais
sustentável. 

Para Patrícia Cota Gomes, gerente do
Origens Brasil, programa que une empresas, ONGs e comunidades locais,
criar uma grande rede de fornecedores é essencial para que a produção
sustentável seja escalável. Ao invés de pressionar apenas uma comunidade
produtora, as empresas têm acesso a 1.500 fornecedores em quatro
regiões.

“Ao chegar a novos territórios e
alcançar novas comunidades, conseguimos escalar a rede e o fornecimento
de produtos a partir do selo”, diz ela. “Temos as condições de
transformar a venda de produtos sustentáveis da Amazônia em mais do que
um item de butique, mas sim de escala”, afirma.

Treinamento para qualidade


A compra de itens vindos de centenas
de fornecedores traz um novo desafio: o treinamento para a colheita e
beneficiamento do material, feito pelas empresas, também é mais
complexo.

Como os itens do extrativismo são
completamente naturais, garantir a durabilidade é essencial, ainda mais
quando esses ingredientes são enviados para fábricas em outros estados
ou mesmo em outros países, como o caso do fornecimento de cumaru para a
fabricante britânica de cosméticos Lush.

O cumaru é uma semente de árvore do
mesmo nome e com aroma marcante, conhecida como a baunilha brasileira. É
usado na indústria cosmética e alimentícia e gera receitas anuais de
9,5 milhões de reais, de acordo com dados de 2016, último levantamento
disponível, obtidos pela Imaflora.

Pensando nisso, a Lush desenvolveu um
manual de boas práticas para a colheita do cumaru, com indicações de
como colher, secar e transportar o ingrediente. No último ano, a
companhia comprou cerca de 12 toneladas do material vindas da região, de
acordo com Sérgio Camargo, consultor de sustentabilidade que realiza
projetos para a Lush e outras empresas. 
Sementes de cumaru em sacola, na comunicade quilombola de Arancuan de Baixo, PA (Karin Salomão/EXAME)

Capital de giro


Outra dificuldade começa antes mesmo
da safra. Para iniciar a colheita, que pode ser de cumaru, castanhas ou
outros itens, as comunidades da floresta necessitam de um capital de
giro relevante. Muitas famílias se deslocam inteiras para a região de
maior ocorrência dessas árvores por algumas semanas e, para isso,
precisam de alimentação para todos esses dias, combustível que abasteça
os barcos de transporte pelos rios.

Não há uma cultura de gestão dessas
finanças durante o ano e as famílias precisam recorrer a fontes pouco
confiáveis, como atravessadores, pessoas responsáveis por concentrar a
colheita das famílias e vender aos compradores, nem sempre por um preço
justo. Além disso, ainda é comum que atravessadores paguem pela colheita
com outros produtos, como café ou açúcar.

Para contornar atravessadores, empresas muitas vezes precisam oferecer um capital de giro a essas comunidades.

Outra solução é a Rede de Cantinas da
Terra do Meio, entrepostos comerciais criados em 2009 na região do
Xingu. Atualmente, há 27 cantinas, que também funcionam como pequenas
usinas de beneficiamento dos produtos e oferecem o capital de giro
necessário para a colheita. 

Além disso, concentram treinamentos e
conhecimentos sobre as boas práticas e fazem a intermediação entre a
comunidade e empresas e distribuidoras. 

Há paióis nas cantinas para o processo
de secagem de castanhas ou sementes de cumaru, por exemplo, processo
essencial para preservar os itens para comércio. 

“Nossos antepassados já entendiam como
preservar óleos ou alimentos, mas a juventude perdeu isso. Com as
cantinas e outras iniciativas, estamos retomando esse conhecimento,
também por meio de conversas entre as gerações”, afirma Kwazady Xipai,
presidente da associação Pyja Hyry, da aldeia Tukumã de Altamira, PA.

 

Lucas Monteiro

Engenheiro Florestal com especialização em Engenharia de Segurança do Trabalho e em Perícia e Auditoria ambiental . Formação de Auditor nos sistemas ISO 9001, ISO 14001 e ISO 45001 e FSC® (FM/COC). Experiência em Due Diligence Florestal, mitigação de riscos ambientais e Cadeia de suprimentos da Madeira para mercados internacionais (EUDR e Lacey Act).

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